Expedição aos Balcãs 2013 – Dia 8

05/08/2013, segunda-feira 

Sarajevo, Mostar
 
Depois de uma noite bem descansada e de um bom pequeno almoço, voltamos ao centro de Sarajevo. De dia o ambiente não é muito diferente da noite, apesar do comércio estar em pleno funcionamento. Começamos por visitar o mercado, onde nos deram a provar uma espécie de carne fumada bastante saborosa e vários tipos de queijos tradicionais. No mercado o ambiente é muito tranquilo sem a confusão típica de outros mercados e tudo muito asseado. Voltamos para as ruas e percorremos a Bašèaršija, a área comercial à volta da fonte sebilj. Passamos praticamente pelos mesmos lugares que na noite anterior, os quais não perdem o encanto com a luz do dia.
Visitamos também uma galeria de um artista local, que pinta uns quadros “alternativos” e deveras interessantes. Deixamos o centro de volta ao hotel para apanharmos o carro para irmos até à próxima atração de Sarajevo: “The WarTunnel”.
 
É incontornável o tema da guerra dos Balcãs quando se fala em Sarajevo,  pelo menos para nós que vimos de fora, mas por muita expectativa que todos tínhamos em relação a este tema, a verdade é que por aqui não veem praticamente referencias à guerra e ninguém fala muito do tema por aqui, pelo menos com os poucos locais com quem tivemos contacto. Se não soubéssemos da história, facilmente nos passaria ao lado de que à 20 anos atrás Sarajevo foi praticamente devastada pelos bombardeamentos das forças Sérvias que cercaram a cidade durante 3 anos (1992-1995). Parece que já ninguém se lembra desse período ou provavelmente queiram mesmo esquecer essa página negra da sua história. Talvez essa seja mesmo a melhor opção a tomar.
 
No túnel da guerra (ou simplesmente o túnel de Sarajevo), que fica já fora do centro da cidade, por detrás do aeroporto, a história é bem diferente. Aqui o objetivo é mesmo que as pessoas não esqueçam o passado. Por sinal, este é uma das principais atrações de Sarajevo (Ranked #5 of 33 attractions in Sarajevo, Tripadvisor). O túnel foi construído durante o período do cerco à cidade (1992-1995), um dos maiores cercos da história, e foi construído em 4 meses. O túnel passa por baixo do aeroporto, a única zona que não estava cercada, pois estava sob o controle da ONU. Com uma extensão de 800m de comprimento, 1m de altura e 1,5m de altura, permitiu a entrada de bens essenciais e a passagem de pessoas durante o cerco. Cada pessoa transportava cerca de 35Kg numa mochila às costas e contam que uma cabra valia mais do que um Mercedes Benz naquela altura. Enquanto assistíamos a um vídeo com imagens reais da construção e utilização do túnel, fomos ouvindo algumas explicações de uma guia, as quais nos ajudaram a compreender melhor o contexto da guerra.
 
Resumidamente, o problema na Bósnia deveu-se à mistura do nacionalismo com a religião (como acontece quase sempre). O país é constituído por Bósnios-Sérvios: católicos ortodoxos; Bósnios-Croatas: católicos romanos; e Bósnios-Bósnios: muçulmanos. Antes da independência, os Bósnios-Sérvios saíram da cidade e montaram um cerco, supostamente para protegerem os seus vizinhos, mas assim que se deu a independência, o exército Sérvio começou a descarregar na cidade e manteve o cerco que ficou para a história como um dos maiores cercos a uma cidade. Hoje a Bósnia é uma manta de retalhos, pois a sua constituição, assinada no final da guerra no acordo de Dayton dividiu o país em duas entidades governativas: Federação da Bósnia e Herzegovina e República de Srpska. A federação da Bósnia tem três presidentes, um para cada “classe” da população: Bósnios-Sérvios; Bósnios-Croatas; Bósnios-Bósnios. A República de Srpska,  que é uma região autónoma que ocupa 49% do território,  também tem um presidente. No total são quatro presidentes numa área de pouco mais de metade do território Português. 
Portanto trata-se de um país de grandes peculiaridades políticas, administrativas e culturais. Estou certo que isto deve ser tema de interesse académico para os alunos dos cursos de ciências políticas
Para ajudar a esta grande confusão, ainda existe um grupo significativo de cidadãos judeus que começou também a querer ter expressão política no país. Perante este cenário político, não posso deixar de me questionar como é possível governar um país desta forma?
 
Voltando ao túnel,  depois de assistirmos ao vídeo e à explicação simpática da guia, passamos para um pequeno museu onde se podem ver as ferramentas utilizadas na construção, o equipamento militar que foi evoluindo ao longo dos anos e também algumas fotos de famosos que visitaram o complexo do túnel, tais como Morgan Freeman, príncipe Carlos, Bono dos U2, John Travolta, entre outros. Como a Bósnia não tinha exército, quem começou por resistir à “intifada“ Sérviaforam os civis. No decorrer da guerra foram melhorando o seu equipamento e fardamento e diz-se que só quando a guerra chegou ao fim é que os Bósnios estavam finalmente prontos para a travar. Contaram-nos ainda que durante o cerco, para se atravessar o túnel era necessário deixar os documentos à saída da cidade para garantir que as pessoas não abandonavam a cidade. As mães tinham mesmo de deixar os seus filhos à entrada do túnel para garantir que voltavam.
 
A utilização do túnel estava longe de ser segura e foram muitos os que morreram ora de um lado, ora do outro. Depois de saírem do túnel do lado de fora da cidade, as pessoas estavam logo debaixo de fogo inimigo, uma vez que toda a zona estava cercada. O túnel foi construído precisamente a 1 km de cada lado do cerco. Na saída, do lado de fora da cidade, era necessário percorrer uma trincheira de 1Km para o interior das montanhas até se alcançar alguma segurança.
Cerco de Sarajevo
Fonte: bbc.co.uk
 
Depois do museu fomos finalmente ao túnel  que hoje não passa de uma mera atração turística, já que só é possível percorrer 25m dos seus 800m de extensão. O restante está em más condições e não está aberto ao público. Uma aposta turística para a cidade, seria porventura recuperar todo o túnel e criar um centro de recepção a visitantes para explorar o local, mas como já referi, aqui parece que ninguém quer recordar muito essa época. O complexo do túnel de guerrasitua-se numa casa privada, que durante o período a guerra foi cedida pelos seus proprietários para receber o túnel  devido à sua localização estratégica. A proprietária original ainda é viva e conta já com 90 anos. Já não vive na casa, mas é possível ver fotografias suas expostas no museu. Na casa ainda são visíveis os buracos causados pela artilharia Sérvia.
 
Terminamos a visita ao túnel e à saída fomos até à casa do lado, onde um senhor vendia alguns souvenirs. Ficamos alguns minutos à conversa com o senhor e este contou-nos que tinha ajudado na construção do túnel logo ali ao lado da sua casa. Foi nos mostrar o camião que fora usado para descarregar a terra do túnel  o mesmo que vimos no filme. Fez questão de tirar fotografias connosco junto ao camião. Diz que é para colocar no seu facebook. O seu nome é “Abdi”, pode ser que o encontrem pela rede. Também nos mostrou a entrada para um segundo túnel que entretanto começaram a fazer, mas este já para passarem automóveis. Nunca veio a ser concluído, uma vez que a guerra entretanto terminou. De referir relativamente ao primeiro túnel que foi desenhado e projetado por engenheiros Bósnios, que idealizaram um canal de transações com o exterior da cidade cercada. Este foi sem dúvida um dos pontos altos da visita à Bósnia  pois para além da sensação que despertou o facto de estarmos ali, naquele local tão massacrado, ajudou-nos a compreender melhor a história deste conflito e deste país.
 
Voltamos à estrada, agora com destino a Mostar e à saída do túnel paramos numa padaria para comprar mantimentos. O pão estava acabadinho de sair do forno, mas nem a senhora da padaria entendia Inglês, nem eu percebia Bósnio. Ainda assim e com a fome a apertar lá encontramos forma de nos entender. Belo pão que comemos acompanhado com a carne fumada que tínhamos comprado no mercado! Mais à frente, pelo caminho ainda paramos para comprar uma melancia à beira da estrada, a fruta mais famosa por estas bandas.
 
Chegamos a Mostar ao final da tarde, ainda com algum tempo de sol. Mostar é um dos principais destinos turísticos da Bósnia, famosa pela sua ponte em cunha, Stari Most, a qual foi destruída durante a guerra e posteriormente restaurada. A “Old Town” é toda ela muito agradável com ruas de empedrado parecendo uma cidade de brincar. Inundada de lojas de bugigangas e restaurantes com vistas fantásticas sobre o rio Neretva, vale por estes últimos, já que as bugigangas pouco interesse têm. Passa-se um bom par de horas a passear pelas pitorescas ruas, aproveitando sempre para tirar mais uma fotografia aqui e ali. 
 
No fim do passeio e do reconhecimento do local, fomos jantar a um dos muitos restaurantes típicos. Escolhemos um que nos tinha sido recomendado pelo senhor da B&B Mostar onde ficamos, que amavelmente nos recebeu com umas fatias de melancia fresquinhas. O restaurante recomendado estava cheio de gente e tivemos de esperar por uma mesa livre, o que pode ser um sinal de qualidade… ou de falta de espaço. Escolhemos uns pratos típicos Bósnios, Bosanski Lonac que ainda não tínhamos provado até então.
 
E assim terminou mais um dia na Bósnia. Havemos de cá voltar em breve…
 
 
Ligações de interesse:
 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *