No Reino do Camboja – Kampong Cham

Chegamos a Kampong Cham e rapidamente percebemos que estávamos numa realidade muito diferente da capital. O movimento na cidade é menos intenso, ainda que vibrante o quanto baste. O mercado é muito mais calmo e menos acostumado a estrangeiros. De facto não é uma cidade muito turística, o que a torna mais interessante e mais genuína. Encontramos também uma cidade mais limpa do que Phnom Penhe muito mais pequena, já que aqui se consegue chegar a pé a praticamente toda a cidade. Ainda assim as motas abundam por toda a parte.
Depois de fazermos o chek-in no hotel, seguimos para a beira rio onde estão os restaurantes e as melhores vistas da cidade para o rio Mekong. Encontramos um dos restaurantes turísticos mais famosos, o Lazy MekongDaze (só soubemos mais tarde) que anunciava em cartaz as suas pizzas. Ai alugamos uma mota para passearmos durante a nossa estadia. Deram-nos um mapa feito à mão com as principais atrações da cidade e arredores. Como temos pouco tempo, temos de fazer uma seleção do que queremos ver. Partimos rapidamente para Wat Nokor, um complexo de templos, que é uma das principais atrações locais. Fica localizado às portas da cidade. Chegamos num “pulo” apesar de ainda nos estarmos a acostumar a conduzir neste ambiente. Mas como o movimento não é muito, a viagem faz-se bem.
Wat Nokor

Wat Nokor é um antigo complexo de mosteiros e templos do séc. XI que hoje funciona como uma pagoda budista, onde os monges vivem e meditam no seu dia a dia. Á entrada somos brindados com um lago coberto de nenúfares, que são uma presença constante ao longo de toda a paisagem aqui na província. O complexo é um espaço amplo com várias casas típicas que são as residências dos monges. Também tem vários templos onde as pessoas podem ir rezar com os monges e vários espaços para celebrações religiosas. O ponto principal do complexo fica localizado ao centro e é o antigo templo que foi restaurado no interior e que continua a servir como local de peregrinação. Enquanto passeamos pelo local, algumas pessoas estão em meditação no interior, enquanto que um casal de noivos tira fotografias cá fora. É um espaço muito agradável para se visitar, mesmo debaixo do calor intenso que se faz sentir e que tem a vantagem de não estar repleto de turistas. De facto somos os únicos turistas por aqui. Depois de visitarmos o complexo, saímos por uma das portas que dá acesso a uns campos de arrozais por uma estrada, ou melhor dizendo, por um caminho de terra típico de província. A paisagem é notável e seguimos por alguns metros (um quilómetro é uma imensidão nestes caminhos) até voltarmos à estrada principal.


Cheung Kok

Este é sem margem para dúvidas o local mais interessante e especial que visitamos até ao momento neste país. Trata-se de uma aldeia de ecoturismo  Cheung Kok, que foi desenvolvida de forma sustentável com o apoio de uma ONG, a AMICA (Assistance Mediation Internationale pour le Cambodge). Na aldeia habitam cerca de 700 pessoas que vivem o seu dia a dia de forma sustentável imersos no meio rural. A escola fica num salão coberto mas aberto dos lados no centro da aldeia. Quando chegamos a escola ainda está em funcionamento e os alunos ficam todos sorridentes com a nossa chegada. 
Os poucos turistas que descobrem este tesouro civilizacional são convidados a passear pelas pequenas ruas da aldeia podendo apreciar cada casa e cada ofício, desde pesca, tecelagem, agricultura entre outros devidamente identificados ao longo do percurso. Os habitantes fazem a sua vida quotidiana sem se incomodarem com a passagem dos turistas. Faz parte da vida da aldeia. Aqui passamos ótimos momentos de contemplação sobre a vida destas pessoas que nos fazem também pensar na nossa própria vida e no modo como encaramos o mundo.
A visita não tem qualquer custo. No final podemos visitar a pequena loja que vende apenas produtos produzidos na aldeia de forma artesanal, desde peças de vestuário, malas, cadernos entre outros. Partimos com a vontade de aqui ficar por muito mais tempo.
Phnom Pros & Phnom Srey
O nosso próximo destino são o “monte do homem” e o “monte da mulher”, dois locais adjacentes com vários monumentos, templos,  muitas estátuas e uma antiga biblioteca. Com o mapa caseiro que nos forneceram temos alguma dificuldade em encontrar o local e andamos durante alguns quilómetros pelas poucas estradas asfaltadas das redondezas. Depois de alguns bons quilómetros percorridos, de muitas paisagens apreciadas e de algumas paragens para pedir informações aos locais (sem sucesso), decidimos voltar para trás e eis que muito perto da rotunda de Wat Nokor lá encontramos o desvio para os “montes”.
Fomos à parte mais alta, Phom Pros, o “monte do homem” onde vários locais estavam a trabalhar na construção ou reconstrução de qualquer coisa. Ao centro, no topo, fica o templo que estava a ser assaltado por uma manada de cabras que galopavam escadaria acima bem determinadas. O tempo está a mudar e a chuva parece ser uma ameaça por isso temos de nos despachar na visita. A luz também já não é grande coisa para as fotografias. Ainda temos tempo para ver os macacos que habitam nas árvores por detrás do templo. Habituados aos humanos, são afoitos e atrevidos!
As primeiras gotas de chuva começam a cair. No pouco tempo que estamos no Camboja já aprendemos que quando chove, chove a sério, por isso o melhor é apressarmo-nos para nos recolhermos da chuva. Pegamos na mota e arrancamos. O Phnom Srey, “monte da mulher” tem de ficar para o próximo dia. Outra coisa que também já aprendemos aqui é que por muito que tentemos evitar a chuva, acabamos sempre por nos molhar. E assim foi!

No dia seguinte voltamos a Phnom Srey onde vimos as grandes estátua de Buda e o edifício da antiga biblioteca. Para além destes têm também várias pequenos templos espalhados pela área.

Quando saímos do monte, em vez de apanharmos a estrada principal decidimos ir por uma estrada secundária que rapidamente passou de asfalto esburacado a terra batida, na verdade lama “fresquinha”. Entramos floresta a dentro com a chuva cada vez mais intensa. A nossa única preocupação são os equipamentos electrónicos que levamos na mochila! Estamos completamente ensopados e a chuva é tanta que quase não conseguimos ver um palmo à frente do nariz. Depois de muita insistência com a chuva, decidimos encostar debaixo de um telheiro onde uma senhora de idade arruma a sua loja. Estacionamos a mota, tentamos escorrer a água da roupa, na medida do possível e sentamo-nos nuns bancos improvisados que a proprietária amavelmente nos cede. Acabamos por comprar umas águas para matar a sede, o que é no mínimo irónico. Descansamos durante alguns minutos apreciando a chuva a cair na terra e o cenário típico das populações rurais. Assim que a chuva acalma arrancamos novamente. Perguntamos à simpática senhora a direção para a cidade e seguimos no sentido que nos indica.
Depois de mais algum tempo pelos caminhos enlameados lá chegamos ao asfalto e em menos de nada chegamos ao hotel. Tempo para um banho, desta vez a sério, e para uma tentativa se secar a roupa. Parece que a máquina fotográfica e os telemóveis estão em ordem! Saímos mais uma vez para jantar, já só com uns borrifos de chuva. Voltamos ao Lazy Mekong Daze para desta vez provarmos as pizzas e as famosas baguetes que vêm referenciadas no Lonely Planet.
Antigo farol francês & aldeia flutuante

No segundo dia em Kampong Cham levantamos cedo para aproveitarmos o tempo, pois ainda temos de fazer a viagem de regresso a Phnom Penh. Começamos com um passeio de mota à beira rio, onde visitamos a universidade religiosa da cidade, uma espécie de seminário para estudar a religião budista. Seguimos para fora da cidade passando pela zona rural ribeirinha onde as pessoas fazem a sua vida rotineira sem ligar importância a dois estrangeiros que por ali passam num dia como outro qualquer. Depois de alguns quilómetros em estrada rural, passando por várias pontes encontramos mais uma pagoda com umas vistas fabulosas para os arrozais. Tiramos algumas fotografias e voltamos à cidade para tomar o pequeno almoço, novamente no Lazy Mekong Daze.
Partimos de seguida em direção à ponte Kizuna sobre o rio Mekong, que foi a primeira ponte a ligar ambas as margens do rio, tornando a cidade num importante centro rodoviário que serve de ligação ao nordeste e à parte oriental do Camboja. Da ponte, temos as melhores vistas da cidade. Uma outra ponte também famosa por aqui é a ponte de bambu que liga a cidade a Koh Paen, uma ilha no leito do Mekong. Infelizmente nesta altura do ano a ponte está coberta pelas águas do rio. Todos os anos na época seca os habitantes locais reconstroem a ponte tornando-a numa das principais atrações da cidade. Na margem oposta do Mekong, encontramos o farol da época colonial francesa, Old French Lighthouse. A estrutura longe de estar bem conservada permite ainda vislumbrar alguma arquitetura europeia por estas terras. No interior impera um conjunto de escadas de ferro que nos permitem chegar até ao topo. A subida é algo vertiginosa e as escadas não ajudam muito, pois em vez de degraus tem apenas umas tiras de ferro. Ainda assim parecem seguras e convidativas. A vista do topo premeia os mais corajosos de onde se conseguem as melhores fotografias da cidade.
Seguimos pela margem do rio Mekong para norte até à vila dos pescadores. A viagem pela estrada rural vale só por si, com as casas típicas erguidas em estacas de madeira a pautarem a paisagem natural e as crianças a cumprimentarem-nos com um afável “Hello”, talvez a única palavra que sabem dizer em Inglês. Chegamos à zona da aldeia flutuante. Paramos a mota á beira do rio e seguimos a pé para nos aproximarmos dos barcos/casas. Á medida que vamos passando, as pessoas lá em baixo nos barcos fazem a sua vida normal. Arranjam-se os barcos, cozinha-se à fogueira, trata-se das galinhas, … enfim a vida normal, só que neste caso num barco, ou na melhor aproximação que se consegue. Sim, porque alguns são apenas um pedaço de madeira flutuante. Alguns dispõem de painéis solares, pois os seus proprietários não dispensam alguns “luxos” como por exemplo o telemóvel. Enquanto estamos a apreciar o cenário, um barco chega da sua lide com a família e atraca no espaço que lhe está reservado. E assim já estão em casa.
No sentido oposto ao rio encontramos umas crianças a brincarem num charco de lama que é alimentado com água que não se percebe bem de onde vem. Esta, depois de fazer as delicias das crianças segue o seu curso para o rio. É deveras uma imagem muito forte, um misto de sentimentos contrastantes. A alegria das crianças contrasta com a degradação do local. Mas isto segundo o nosso ponto de vista. Para elas, quiçá, aquele é o lugar mais divertido do mundo.
Chup, fábrica da borracha

Voltamos à estrada principal e dirigimos para nordeste. Vamos visitar a plantação deborracheiras onde está uma fábrica de produção de borracha que segundo nos dizem é um dos locais a visitar na região. Fica a cerca de 15 quilómetros da cidade de Kampong Cham e pelo caminho passamos por um complexo muito interessante de pescadores. Uma armação de vários barcos com uma rede erguida em forma de quadrado à frente. Os pescadores vivem nos barcos e dos barcos, pois é este que lhe trás o sustento diário.
Saímos da estrada principal para a terra batida ao encontro da Ficus elastica. Temos de conduzir durante algum tempo pela floresta tropical até encontrarmos as árvores que queremos. Temos a indicação no nome da fábrica, Chup, onde podemos visitar o processo de transformação da borracha. Chegamos à plantação de árvores onde encontramos um segurança e a quem perguntamos pela fábrica. Sem falar inglês ficamos a perceber que ainda estamos longe da fábrica, mas seguimos pelo interior da plantação. As árvores perfilam-se a perder de vista e tem um recipiente par onde vai escorrendo o liquido creme que servirá mais tarde para transformar em borracha. O liquido é recolhido manualmente por vários trabalhadores que andam pela plantação. Se não for recolhido a tempo, começa a verter e é desperdiçado. É portanto um trabalho constante. A paisagem é agradável e como estamos no interior da plantação a temperatura tolera-se melhor. Seguimos pelos caminhos de terra dentro da plantação mas da fábrica não há sinal. Paramos por diversas vezes para perguntar indicações a quem encontramos pelo caminho, o que é sempre um agradável desafio, mas continuamos sem chegar à fábrica. Depois de muitas voltas dentro da plantação começamos a pensar que talvez já não conseguimos dar com o caminho de volta, mas também continuamos sem encontrar a fábrica. Após várias indicações e quando estamos quase a desistir, eis que surge a fábrica.

 Damos entrada como visitantes, recebemos um cartão e seguimos sozinhos para o interior. Não há visita guiada e quase nenhumas indicações do que estamos a ver. Alguém nos indica o sentido da visita e lá vamos nós. A primeira coisa que damos conta é de um cheiro nauseabundo, pestilento e quase insuportável numa das zonas iniciais da transformação. Consegue ser pior do que o cheiro nas tinturarias de Marrocos, que eu pensava ser impossível de superar! Á semelhança das tinturarias aqui a água também tem um papel fundamental. A matéria prima vai passando por tanques, depois por tapetes onde é lavada constantemente com água até chegar ao ponto onde é prensada e embalada em blocos. Vistos ao longe parecem enormes pedaços de bolo e até saem quentes da prensa, como bolos acabados de sair do forno. Mas apetite é algo que não combina com este ambiente.
Depois da visita e antes de sairmos da fábrica tentamos obter indicações para apanhar a estrada principal. Temos de encontrar uma forma alternativa pois se tivermos de voltar pelo mesmo caminho será um grande desafio de orientação. Felizmente uma das trabalhadoras que está a sair da fábrica explica-nos como apanhar a estrada principal e oferece-se para nos levar até lá. Quando chegamos à estrada principal confirmamos que não tínhamos entrado pelo mesmo sitio. Mais à frente percebemos que antes da fábrica há um centro de investigação da industria de borracha onde viramos. Daí o engano. No entanto, o tempo que gastamos na viagem acabou por ser compensado pelas paisagens que vimos e pelas pessoas com quem fomos conversando pelo caminho, que mesmo sem nos darem as melhores indicações, deram-nos o que de melhor têm, a sua simpatia.

E assim voltamos a Kampong Cham, onde entregamos a mota e apanhamos o autocarro de volta a Phnom Penh. Desta feita regressamos de autocarro. A viagem demorou cerca de 3 horas com uma paragem de 20 minutos numa área de serviço. Ainda que mais confortável do que no minibus, a viagem não teve metade da piada.

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