Um cabeleireiro em Phnom Penh

Todos nós, eventualmente, algum dia temos de ir ao cabeleireiro. Exceção feita aqueles que sofrem de calvície ou aos que como eu por uma razão ou outra encontram formas de o contornar. Sinceramente não me recordo da última vez que entrei num estabelecimento de “linchamento” de cabelos. Á alguns anos atrás, simplesmente não cortava o cabelo. Ele foi crescendo e quando atingiu um tamanho considerável entrou em auto-gestão, umas partes caiam, outras enrolavam-se e só pontualmente tinha de dar uma tesourada aqui e ali para acertar o que já se tornava intolerável. Mais recentemente, quando decidi aliviar o meu precioso cérebro de tamanha grenha, relembrei–me de que cortar o cabelo é algo que temos de fazer com alguma periodicidade. Por tal arranjei forma de o fazer em casa, encarregando para tal a minha preciosa cabeleireira que me acompanha para a vida e que o faz com o maior preciosismo. E assim vivemos felizes por muitos e bons anos.
Ora voltemos ao início e ao que me leva à escrita. Para a nossa aventura pelo Reino do Camboja, trouxemos apenas o indispensável para viver durante o período em que aqui esperamos permanecer. Ainda que seja importante manter a cabeça apresentável, o material para cortar o cabelo não veio. Claro que vim aprumadinho da Europa, ou não vão os asiáticos pensarem que nós somos todos uns trongos. Mas ao fim de pouco tempo, a guedelha teima em crescer e não tenho outro remédio que não ir ao cabeleireiro, um cabeleireiro em Phnom Penh. Ora aqui há muitos cabeleireiros, pois esta gente anda muito arranjada, pelo menos na cabeça. Se eu tivesse chegado aqui à alguns bons anos atrás, seria um autêntico freek e provavelmente teria criancinhas Khmers a fugir de mim pelas ruas. 
O cabeleireiro onde vou fica a caminho de casa par ao trabalho. Hoje é a segunda vez que lá vou o que faz de mim um cliente habitual. Da experiência remota que tenho do cabeleireiro em Portugal, (diga-se de passagem que não conheci assim tantos), tenho na memória que são estabelecimentos tipicamente de conversa. Conversa-se de tudo um pouco, de futebol, da política, da vida dos outros, do jet7, por isso da vida dos outros, e por ai nesta onda. Claro que nos entretantos sempre que o tempo e a língua o permitem se arranja um espaço para cortar algum cabelo. No fundo estes estabelecimentos são autênticos disfarces para as maiores conspirações e coscuvilhices de qualquer povoado português! Toda a gente sabe, toda a gente frequenta, mas ninguém assume. Bem à Portuguesa portanto. Recentemente o estado português numa tentativa frustrada de cobrar mais impostos a este pessoal, lançou qualquer coisa como faturas da sorte, mas isso não vem para o caso. 
 
Ora bem, a minha experiência aqui no cabeleireiro em nada se assemelha ao que acabei de descrever, se não vejamos. Dirijo-me ao salão (outro nome pomposo para esconder a realidade dos factos) e faço um gesto para o rapaz que pretendo cortar o cabelo. Ele está sentado à porta ao telemóvel, mas assim que me vê termina rapidamente a sua chamada para me atender e simpaticamente acena com a  cabeça, como quem diz “sim, vamos lá então”. Como já conheço os cantos à casa, sento-me na cadeira e ele começa a aperaltar-me (nada de maus entendidos que isto é gente séria). São várias as pessoas que aqui trabalham mas ninguém fala uma palavra de Inglês. Eu por outro lado já sei duas frases em Khmer, mas para o efeito de pouco me servem. Não vai uma nem duas e lá começa ele o desbaste. Na verdade não precisamos de dizer nada, afinal para que é que estamos ali? Não é para cortar a trunfa? Ele lança-se na sua tarefa enquanto a colega do lado está a acabar um corte de outro freguês. Vão falando qualquer coisa, mas pouco, quem sabe alguma notícia local, coscuvilhice ou politiquice. Mas o melhor é que eu não percebo nada e também nada distrai o meu dedicado cabeleireiro! E lá continua ele a saga na minha cada vez mais diminuta cabeleira. Um pouco de água para amansar os eletrões e mais uma naifada. Sim porque aqui é à naifada! Chegamos à fase dos acabamentos. Ele saca de uma pequena lâmina para me dar o remate final, nada que me assuste! Afinal já temos uma relação de confiança. 
Passados cerca de 20 minutos da minha chegada, o processo chega ao fim. Faz-me sinal que terminou a empreitada e aponta-me para o espelho. Eu olho, agora com mais atenção. Ora e não era mesmo isto que eu queria? O rapaz é um génio da arte de cortar cabelo! Faço-lhe aquele sinal que os mergulhadores fazem quando querem vir à tona em jeito de apreciação. Pago os meus serviços e despeço-me gastando  uma das duas frases que sei em Khmer “Akun Tsaran”, que é como quem diz “Muito obrigado”. Foi a única comunicação verbal que travamos. Ele responde-me com uma vénia em jeito de agradecimento e assim sigo para casa rejuvenescido. 
Olha não fiquei a saber qual última contratação do Sporting CP, ou que ministro se demitiu do governo nem mesmo quem anda a dormir com quem aqui na vizinhança. Este estabelecimento é pouco informativo mas de uma coisa fiquei a saber, cortam bem cabelo!
     

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