Um dia que começou bem longe de Portugal e acabou na Rua de Chaves.
Depois de uma escala em Kuala Lumpur, Malásia, apanhamos o voo AK 188 da companhia AirAsia. Esta low cost com origem na Malásia, que curiosamente é gerida por um luso-descendente, não teria espaço neste texto não fora pelas piores razões. Na semana passada um voo que cruzava o mar de Java entre Surabaia, na Indonésia e Singapura desapareceu com 162 pessoas a bordo sem deixar rasto. Enquanto viajamos continuam as buscas para se perceber o que aconteceu.1 Só por si este acontecimento já nos causaria alguma apreensão, mas como nos próximos temos nada mais nada menos do que quatro voos na mesma companhia, o melhor é não pensarmos muito nisso.
Depois de um voo tranquilo chegamos ao aeroporto internacional de Macau, um dos últimos legados da administração portuguesa, por volta das 16:00. Á chegada fomos recebidos em Português por todas as placas informativas no aeroporto. As informações estão disponíveis em Cantonês, seguido pelo Português e por último o Inglês, a língua internacional. O aeroporto fica localizado em Taipa, uma ilha da qual faz parte também a zona de Coloane, a parte mais natural de Macau. A primeira coisa que vimos à medida que vamos do aeroporto para o centro de Taipa é a imensidão de casinos aglomerados, cada um ao seu estilo. Não fosse esta a principal atração de Macau! Não sei exatamente quantos casinos existem em Macau, mas como parece que ainda não estão satisfeitos, vê-se construção por todo o lado. Uma das obras parece claramente um metro de superfície que ligará o aeroporto aos principais impérios do jogo para facilitar o acesso. Continuamos pelas largas e modernas avenidas, passando pela Vila de Taipa situada do lado oposto ao imponente Galaxy Macau.
Depois de compradas as guloseimas é chegada a hora de comer alguma coisa mais à séria. E nada melhor do que uma sardinhada ou uns escalopes de vitela à boa moda portuguesa. Foi precisamente isso que fizemos no restaurante “o Galo”(quem diria!) que encontramos na intersecção da rua do Cunha com a rua dos Clérigos e adjacente à rua dos Bem Casados. Enquanto esperamos pelo jantar, sentados na mesa tipo taberneira do restaurante, apreciamos o cenário repleto de chineses a degustarem as mais variadas iguarias lusas que aqui chegaram já lá vão quase 500 anos. O menu é vasto deste as entradas de queijo e azeitonas ou pastéis de bacalhau, canja de galinha, várias receitas de bacalhau como não poderia deixar, e claro as sardinhas e os escalpes de vitela onde acabou por recair a nossa escolha. Também não podíamos deixar passar a oportunidade provar uns pastéis de bacalhau. Para acompanhar a refeição, como não pedimos nenhuma bebida em particular, trouxeram-nos água mas fervida. Algo estranho em Portugal mas muito comum entre os asiáticos pois a água quente não obstrói o normal processo de digestão ao contrário da água fria. Todas as mesmas tinham copos de água que iam sendo atestados durante a refeição pelas empregadas de mesa. As sardinhas estavam boas e os escalopes também. Os pastéis de bacalhau dão vontade de comer mais umas dez dozes. Enquanto jantamos uma fila de clientes começa a formar-se lá fora. O espaço não é muito grande e pelos vistos é muito concorrido. Terminada a refeição vamos até à caixa para pagar onde somos brindados com um “obrigado”. O senhor de feições asiáticas fala connosco num português fluente. Pergunta-nos de onde viemos e se estamos a gostar de Macau. Trocamos algumas palavras breves mas a azáfama é grande deixamos o Galo, dando lugar aos próximos clientes.
A partir deste ponto o relato de Macau demarca-se em duas partes tão antagónicas como naturais dada a realidade desta cidade. A primeira parte aborda a incursão que fizemos no mundo do jogo e nos vários casinos, hotéis e shoppings que se misturam de um forma híbrida por toda a cidade. Esta é aliás principal razão porque Macau é tão famoso no mundo inteiro. Numa segunda parte apresento a viagem que fizemos na história pelo passado cultural de Macau.
A Macau de Stanley Ho
Uma visita a Macau normalmente deve ser feita com a carteira bem recheada ou então com uma poção mágica de sorte para lá se rechear a carteira. Independentemente da forma que se escolha, o resultado final será invariavelmente o mesmo: a carteira vazia. Antes de desenvolver este argumento, permitam-me começar por explicar o título que atribuí a esta secção. Stanley Ho(nascido a 25 de novembro de 1921) é um magnata de Macau e Hong Kong a quem foi cedida a exploração do jogo em Macau durante 40 anos. É considerado um dos homens mais ricos da Ásia e o mais influente cidadão de Macau, com direito a estátua no casino Grand Lisboa. Foi muito graças a este senhor que Macau se transformou naquilo que é hoje, como muitos gostam de chamar, “a Las Vegas da Ásia”. O titulo não deixa de ser curioso, pois segundo estatísticas recentes os lucros de Macau quando comparados com a “pacata” cidade no deserto do Nevada, deixam esta última diria no mínimo envergonhada (ver ligações de interesse).
Voltemos à carteira, sim porque estávamos a falar de carteiras vazias! Pois é, se alguém vem aqui a pensar em atestar a carteira, desengane-se. Ainda que tragam a tal poção mágica de sorte e que o dia corra bem no jogo, assim que abandoarem a mesa são atraídos, como que por magnetismo, para a vastidão de lojas que se espalham por um mundo encantado, onde por vezes custa a respirar modéstia. Aqui encontra-se de tudo o que se possa imaginar, tanto ao gosto do ocidente como ao paladar mais oriental. O mais importante é que todos se sintam satisfeitos nesta aldeia global de consumismo. De facto a logística está toda preparada para se gastar dinheiro, muito dinheiro, e não para se ganhar.
Apesar de não sermos adeptos do jogo nem de carteiras recheadas (relativamente às carteiras somos como aqueles condutores que não gostam de Porsches só porque conduzem um Fiat Uno), não podíamos deixar passar a oportunidade de conhecer este “mundo encantado” mundialmente famoso.
Os casinos são muitos, mesmo muitos, por isso não há maneira de os visitar todos. Como já referi não se tratam apenas de casinos, a secção de jogo é apenas uma parte de enormes complexos de hotéis e shoppings. Começamos pelo Galaxy um imponente complexo que se ergue como fachada do centro da Vila de Taipa. Seguimos para o Venetian que segundo dizem é atualmente o maior casino do mundo. Lá dentro as lojas perdem-se de vista e não fossem os mapas disponibilizados nos diversos pontos de apoio ao visitante, muitos nunca de lá sairiam. Com vários canais com pontes e gôndolas a lembrar Veneza é uma das principais atrações da cidade. Os visitantes podem fazer um passeio de gôndola pelo shopping acompanhados de traviatas entoadas em grande estilo pelos gôndoleiros “importados”, alguns quem sabe até de Itália. As salas de jogo do Venetian estão repletas de gente, sem comparação com os outros casinos por que vamos passando. Á medida que a hora avança parece que cada vez mais gente vai chegando ao casino! Este é definitivamente o casino da moda em Macau.
Cá fora, temos a famosa ponte do Rialto e o relógio da praça de São Marcos. Estamos portanto em Veneza só que esta é na Ásia! Na seção dos autocarros a filas de passageiros esperam por transporte para a “Main land” (leia-se china). Neste como em outros casinos o transporte é assegurado pelo próprio casino até à fronteira. Á saída do Venetian ainda assistimos a um espetáculo de malabarismos na torre do relógio assim como um grupo de danças inspiradas em temas natalícios com um toque soviético. Continuamos a viagem à medida que somos chamados pela opulência dos edifícios cada um diferente do outro, mas todos dedicados ao mesmo espírito. Um dos últimos que visitamos foi o Hard Rock Hotel que claro está também tem o seu casino ao estilo do Hard Rock, com instrumentos e outros pertences de estrelas do Rock.
Será esta a Macau que os portugueses idealizaram no séc. XVI? Ora vejamos então o outro lado de Macau.
A Macau dos portugueses
No meio de toda a arquitetura do legado português encontramos um recanto simpático do que fora outrora a casa de um reputado homem de negócios de Macau, de ascendência chinesa. A mansão Lou Kaurelembra-nos que estamos na Ásia. É uma casa tradicionalmente chinesa de dois andares com um pátio murado de tijolo cinzento tradicional com pormenores refinados de arquitetura Xiguan. No centro de uma cidade cristã esta mansão serve de abrigo a vários pormenores de crenças orientais.
Seguimos agora pela Rua da Palha, depois pela Rua de São Paulo até ao cruzamento com a Rua da Ressurreição naquela que é a zona mais movimentada de Macau e também a mais turística. É o caminho que percorremos para chegar às famosas ruinas de São Paulo, o cartão de visita de Macau. A enorme escadaria que leva às ruinas está repleta de gente à procura da melhor posição para tirar a “selfie” da praxe, algumas do mais ridículo que se consiga imaginar. Mas temos de respeitar os gostos de todos, ainda para mais quando estamos embrenhados numa cultura tão diferente da nossa.
Antes de deixarmos a “Acrópole de Macau” (Igreja da Madre de Deus, o Colégiode São Paulo e a Fortaleza do Monte) passamos pelo pequeno templo Na Tcha que quase cai no esquecimento por detrás do burburinho das ruinas. Construído como homenagem ao filho do deus da guerra é um templo chinês simples, um edifício cinzento com várias ornamentações. Adjacente ao templo fica um edifício moderno onde o visitante pode conhecer a história da divindade Na Tcha.
Depois da visita ao mercado seguimos pela Av. de Horta e Costa, uma das principais artérias da cidade com muito comércio em ambos os sentidos.
Por onde quer que andemos nas ruas de Macau, sentimos à nossa volta uma forte presença cultural que nos ê muito familiar com um misto de influência asiática. Digam o que disserem, venha quem vier, Macau ainda continua a ser muito portuguesa e assim parece agradar a todos, tanto aos que daqui fazem o seu lar, como aos que vêm de visita como nós. Mas agora é chegada a hora de nos despedirmos desta nossa antiga pátria. Do jardim apanhamos novamente o autocarro, desta vez para o porto de Macau. Apanhamos o próximo ferry para uma outra china que em tempos também já foi Europa.
Ligações de interesse
- Referência a Mao Tsé-Tung no título do artigo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mao_Tsé-Tung
- Lucros de Macau(1): http://money.cnn.com/2014/01/06/news/macau-casino-gambling/
- Lucros de Macau(2): http://www.wsj.com/articles/SB10001424052702303640604579295884261629874
1 Á hora a que escrevo, já foram localizados os destroços do avião, o qual se despenho no mar por razões ainda desconhecidas. As caixas negras estão nesta altura a ser recuperadas. Começaram já os trabalhos de resgate da aeronave e dos corpos. Nenhuma das pessoas a bordo sobreviveu.↩