O porto perfumado no mar do sul da China

O título que escolho para este relato não se parece coadunar com as origens do local. Quando os navegadores Ingleses estabeleceram o primeiro contacto com os pescadores locais, diz a história que encontraram uma “doce fragrância”  proveniente das águas do estuário do rio Zhu Jiang. Por muito que me esforce, não consigo encontrar uma relação entre pescadores e doces fragrâncias, isto com o maior respeito pela profissão, a qual muito admiro. Também não se trata dos pescadores em si, mas sim do que esta profissão representa em termos de “fragrâncias” e disso percebo eu porque vivo perto de Olhão, terra de bom peixe e boa gente. Mas vá-se lá saber o que os ingleses encontraram quando chegaram ao que é hoje Hong Kong! 
Outrora uma luz atípica numa China ainda em desenvolvimento, hoje é facilmente mesclada por um horizonte polvilhado por grandes metrópoles urbanas que vão crescendo por todo o território desta imensa república. Não deixa no entanto de ser um marco da simbiose entre o ocidente e o oriente e uma daquelas cidades que temos de visitar pelo menos uma vez na vida. Nem que seja só para termos o prazer de estar ali. Mas Hong Kong tem muito para ver. 
Chegamos de Macau num ferry noturno numa viagem de uma hora. O mar, como se diz naquela terra que à pouco referi, “está feito num cão” o que tornou a viajem, digamos que um pouco mais estimulante.  Atracamos no “China Ferry Terminal” em Kowloon e á chegada fomos recebidos pelo skyline noturno da ilha de Hong Kong com os prédios reluzentes e outdoors electrónicos “acotovelando-se” uns aos outros como que quem quer chegar à frente para se exibir.


Saímos do terminal pela Haiphong rd em direção à famosa Nathan Rd e apesar de já ser noite, o movimento tremendo obrigou-nos a avançar paulatinamente pelas ruas até chegarmos ao nosso destino, Chungking Mansions. O nome deste lugar é no mínimo irónico! É um complexo de torres com um shopping estilo Martim Moniz em baixo por onde temos de entrar para chegar à nossa Guest House. Á chegada temos de ter a certeza que nos dirigimos aos elevadores na secção certa se não vamos parar a outra torre. Na secção, temos de ter a certeza que apanhamos o elevador certo para o nosso piso e esperar na fila. Sim porque aqui existem filas para os elevadores, tal é o numero de gente que por aqui habita. Um dos elevadores só para nos pisos ímpares, o outro só nos pares e nenhum para no piso 4 pois a palavra quatro é homófona com morte. Esta superstição é conhecida como tetrafobia e é comum por toda a Ásia Oriental.  Em Hong Kong existem muitos hotéis para uma experiência imersiva do que é viver na cidade, nada melhor do que ficar numa Guest House. O quarto em que ficamos no 13ºandar (com este já ninguém se importa) não tem mais de 2 metros de largura por 5 de comprimento, incluindo a casa de banho com chuveiro, uma autentica mansão nos céus de Hong Kong.
Hong Kong Island
No dia seguinte descemos à terra e estamos agora na “Golden Mile” de Hong Kong. Talvez dai o nome do nosso edifício! Um pouco mais acima, na estação de Tsim Sha Tsui, apanhamos o metro para a ilha de Hong Kong, atravessando a baía. Saímos em Causeway Bay, junto ao Times Square. Em Hong Kong cada estação de metro tem pelo menos um shopping, ás vezes mais, sem se conseguirem distinguir muito bem. A ordem é para gastar dinheiro. Em Times Square, o relógio no cento da praça, quase que passa despercebido perante tantos outdors publicitários. Mas ele lá está, o que dá o nome à praça.

Vamos para a estação Central, no distrito financeiro de Hong Kong, de onde seguimos agora a pé até ao funicular para o Pico. Pelo caminho passamos pelas colossais torres do banco da China e do Citibank, entre outras. O funicular é uma das principais atrações da cidade. Por isso não é de estranhar o tempo que temos de esperar na fila até que chegue a nossa vez. Esta peça de engenharia foi engendrada em 1888 e desde então nunca deixou de prestar os seus serviços (http://www.thepeak.com.hk). A viagem até ao topo oferece, segundo opinião de alguns, as melhores vistas da cidade. A viagem dura cerca de 10 minutos e quando olhamos para a paisagem temos a ilusão de que os arranha-céus estão inclinados. Parece uma sensação simples mas que tem dado origem a várias investigações científicas.

 


O Pico Victoria com uma altitude de 552 metros é o ponto mais alto da ilha de Hong Kong. Como consequência desta casualidade geológica, é a partir dai que se consegue a melhor percepção da imensidão da cidade e também da limitação espacial que faz com que toda a construção tenha forçosamente de se erguer em vez de se estender. E o mais incrível é que ainda se constrói! No pico para além das vistas temos mais shoppings, restaurantes e vários trilhos por onde se pode desbravar o pouco que resta de natural nesta selva de betão. Uma das formas de desfrutar do passeio é fazer o percurso de volta ao centro a pé. É isso que fazemos, o que nos leva cerca de uma hora com várias paragens pelo meio. Pelo caminho ainda tomamos um chá numa partida de geocaching.

A próxima paragem foi no WesternMarket já ao cair da noite. Este mercado é um edifício histórico construído em 1906 e uma pérola arquitectónica capaz de fazer frente aos mais modernos edifícios da cidade. Lá dentro podemos encontrar roupas, arte e restauração. A variedade não é muita porque trata-se de um espaço pequeno, mas tem um requinte especial atípico do que se encontra por aqui.
Kowloon City
Voltamos a Kowloon, desta vez na Avenida das Estrelas, o passeio de Hollywood asiático. Aqui encontramos algumas estátuas, sendo a mais famosa a de Bruce Lee, e também as estrelas e pegadas de mão de várias estrelas do cinema asiático, entre elas Jackie Chan, esse implacável e acrobático herói. É também desde a avenida que temos a vista mais famosa de Hong Kong. Do outro lado da baia, os arranha-céus lampejam as suas imensas luzes fazendo-nos crer que estão vivos. 

Ás 20:00 dá-se início à sinfonia das luzes, o maior espetáculo permanente de luz e som do mundo, de acordo com o Guinness World Records, que dura cerca de 15 minutos. A fama que o precede não justifica tamanha glória. Porventura em tempos poderá ter sido algo fantástico, mas para os dias de hoje, não passa de um conjunto de lasers que vão passando aleatoriamente de edifício para edifico, acompanhados por uma música monótona que por vezes chega a adormecer os turistas. Enfim, é daquelas coisas que se estivermos por ali, vê-se e até se acha alguma piada mas não é imperdível.
Terminado o espetáculo caminhamos até ao porto do Star Ferry, passando pela torre do relógio de Tsim Sha Tsui, numa zona muito simpática com muita gente local e turistas. Alguns animadores de rua animavam o ambiente com música e outras habilidades. Seguimos para Harbour City mais um complexo comercial em cima da baia de Hong Kong.
Terminamos o dia no Mercado noturno de Temple Street num fervilhar de barraquinhas a vender todas as chinesices que se possa imaginar. Aqui não há “lojas dos chineses”, por isso temos que ir aos mercados. Depois de algumas compras lá encontramos um restaurante Turco onde nos refastelamos com um Donner Kebab e Ayran para terminar o dia.
Hong Kong verde e religioso

Saímos pela manhã de Tsim Sha Tsui e afastamo-nos agora do centro da cidade para visitar os jardins Nan Lian, um tesouro escondido na selva de betão de Hong Kong. Chegamos pela manhã cedo e não havia praticamente movimento no jardim. Os jardineiros cuidavam das suas secções, qual chefe a preparar um baquete, com a maior das afeições. O espaço assim o merece. A atmosfera que se respira enquanto caminhamos pelo jardim imaculado é qualquer coisa de especial! Os lagos, as quedas de água, os templos, as árvores impecavelmente arranjadas e os recantos que vamos descobrindo aqui e ali, fazem deste um local único em Hong Kong que contrasta severamente com o urbanismo massivo de betão. Tem também uma galeria de arte que pode ser visitada  e um enorme salão de chá sobre o lago principal que pode ser alugado para eventos especiais. Mais do que uma lufada de ar fresco é um verdadeiro monumento ao bom gosto e à natureza. A combinar com toda a atmosfera do jardim temos o Chi Lin Vegetarian, um restaurante contemporâneo de cultura vegetariana, que é considerado um dos melhores da cidade. Á hora a que passamos ainda está fechado.

Como se não bastasse o que referi em relação aos jardins Nan Lian, ainda temos a possibilidade de visitar o complexo Chi Lin Nunnery no lado oposto da estrada. Para usso usamos uma ponte que nos dá passagem direta do jardim para o exterior do complexo. O Chi Lin Nunnery é um mosteiro budista para senhoras que se queiram dedicar inteiramente à religião, como o fazem as freiras em algumas igrejas Cristãs. Fica no sopé monte Diamante construído segundo a arquitetura tradicional chinesa em madeira sem recurso a um único prego ou parafuso de ferro. Estes dois locais adjacentes devem fazer parte de qualquer roteiro de visita a Hong Kong.
A próxima paragem é Wong Tai Sin, onde visitamos um dos templos mais concorridos da cidade. Quando chegamos já o local fervilhava de gente a queimar incensos num ritual de louvor. Para além do incenso alguns dos fiéis dedicavam frutas, vegetais e até um leitão foi trazido como oferenda. As lanternas cor de laranja tipicamente chinesas penduradas nos beirais dos templos transportam-nos para uma China muito diferente daquela que vimos até agora. Mais do que um templo, Wong Tai Sin é mais um complexo de vários templos, do qual fazem ainda parte um hospital para monges e um jardim chinês por detrás dos templos. Aqui encontramos o muro dos nove dragões construído à semelhança do outro mais famoso em Pequim. Passeamos pelo jardim enquanto mais uma vez os jardineiros incansáveis tratavam das suas pérolas e durante o passeio encontramos uma senhora de certa idade que falava com uma tartaruga. Ela bem tentou que a tartaruga falasse connosco, mas ela talvez não falasse Português e então não nos ligou muita importância.

Voltamos agora ao centro de Kowloon para subir até ao Sky100 Hong KongObservation Deck, o maior edifício da cidade que fica em Union Square, onde também ficam as torres Arch Moon e Arch Sky, os famosos edifícios com um “buraco” no meio. O Sky 100 alberga o International Commerce Centre de Hong Kong e tem 118 andares. Para subirmos até ao observatório temos de entrar por um enorme shopping e deambular pelas lojas até encontrarmos o acesso ao topo. Do topo temos uma vista de 360º de onde podemos avistar os edifícios mais emblemáticos da cidade. Depois de apreciarmos as vistas de vários ângulos, voltamos a descer com os pés à terra.
Seguimos agora pela Austin Rd onde inesperadamente encontramos a Scout Association of Hong Kong, um enorme edifício que nos parece mais um hotel do que alguma coisa relacionada com escuteiros. A curiosidade impele-nos a entrarmo-nos no edifício. O hall de entrada é semelhante a um hotel com uma receção e tudo. Na imensa parede de pedra à nossa frente, apresenta-se um retrato de Baden Powell, o fundador dos escuteiros, bem como vários manequins fardados a rigor. Junto à receção estão montes de malas. Vimos alguns jovens fardados a dirigirem-se para o elevador e seguimos com eles, sem saber muito bem para onde vamos. Queremos perceber do que se trata. Á medida que vamos parando em alguns andares percebemos que se tratam de quartos. Parece que aqui os “acampamentos” de escuteiros são em quartos de hotel e não no campo em condições precárias como geralmente associamos aos movimentos escutistas! Talvez sejamos nós, ocidentais, que estamos mal habituados. No andar em que decidimos sair do elevador encontramos uma loja de material escutista onde fazemos algumas compras e várias vitrinas de exposição de trofeus e várias peças de material. Nesse mesmo piso tem um centro de formação com várias salas para formação de pessoal. Quando descemos ainda encontramos um restaurante e um bar. De volta ao hall de entrada, decidimos adiar o nosso check-in. Por agora, vamos acampar para outro lado.

Chegamos ao cruzamento da Austin Rd com a Nathan Rd. Descemos agora por esta última passando pelo Park Lane Shopper’s Boulevard onde lojas de marcas ocidentais se seguem umas às outras. Por trás da zona comercial fica o Kowloon Park, a maior zona verde nesta parte da cidade. É aqui que encontramos a Avenue of Comic Stars, o passeio das estrelas dos desenhos animados asiáticos. O parque é uma das zonas mais concorridas da cidade para relaxar e onde têm lugar um sem número de atividades. Um grupo faz uma demonstração de artes marciais, outros simplesmente fazem piqueniques. Passeamos pelo parque até ao lago dos flamingos, onde as simpáticas criaturas se refrescam. A maior parte deles são cor-de-rosa. Junto aos flamingos encontramos uma geocache. Saímos do parque passando pela mesquita e o centro islâmico, onde um grande movimento de devotos muçulmanos prestam o seu culto diário.

Descemos agora novamente pela “Golden Mile”, o centro do comércio “fashion” da cidade com as colossais lojas internacionais, até ao porto do Star Ferry. Pelo caminho apanhamos as mochilas nas Chungking Mansions. Uma visita a Hong Kong não fica completa se não se experimentarmos alguns dos ícones da cidade. O Star Ferry em operação desde 1888 foi o primeiro meio de transporte entre a zona continental e a Ilha de Hong Kong. 

Está para Hong Kong como o Staten Island ferry está para Nova Iorque. Este último por enquanto ainda é gratuito ao passo que em Hong Kong a viagem tem um custo simbólico. A viagem de cerca de 15 minutos minutos transporta-nos para um passado imperial ao atravessarmos o Victoria Harbour. Talvez sem o glamour de outros tempos, não deixa de ser um classico e de certa forma uma experiênciasecular. 

A meio caminho do trajeto estamos no epicentro do mundo contemporâneo. De um lado o centro financeiro da ilha de Hong Kong, do outro o comércio fervilhante de Kowloon. E assim deixamos a “doce fragrância” da modernidade.

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