
Faço um testdrive na rua em frente para me acostumar à mota. Não tenho muita prática de condução destes “bichos” e os meses que andei de scooter em Phnom Penh não sei se me ajudam grande coisa. Assim que montei e dei gás fiquei rendido! Rapidamente me acostumei à mota que diga-se de passagem é leve e ágil, o que ajuda. Fiquei tão entusiasmado que me demorei mais que o esperado e quando voltei à loja já os meus companheiros tinham arrancado. Sem stress. Agora é para desfrutar e isto sabe tão bem!!! Sigo sozinho de volta para Toul Kork por entre o trânsito caótico típico da cidade. Hoje não me aflige porque parece que chego primeiro que toda a gente.

Arrancamos já de noite por volta das 07:00 pm. O plano é adiantarmos já um bom troço da viagem antes de dormirmos algures pelo caminho. Conduzir no Camboja é já de si uma aventura mas numa mota destas à noite é no mínimo radical. Mas foi para isto que viemos. Saímos da cidade por umas ruas alternativas, primeiro em alcatrão e depois em terra mas sempre movimentadas. Fora da cidade encontramo-nos com mais dois estrangeiros que se juntam ao grupo. Um é do Paquistão e outro das Fiji. Trabalham ambos como voluntários numa escola cristã. No total somos quatro estrangeiros. Depois do grupo todo reunido arrancamos pela escuridão da noite num descampado em caminho de terra batida. O percurso não dura muito. Uns poucos de quilômetros mais à frente fazemos a primeira paragem para assistência técnica. Uma das motos está com um problema e sorte a nossa (ou talvez não) que um dos rapazes percebe do assunto. Não sei se é mecânico ou não, mas o facto é que vem preparado com uma saca de serapilheira onde embrulha um conjunto de fermentas. O seu nome é Sopek. Em menos de nada no breu da noite juntam-se uma rapaziada valente de volta da mota. Penso que é um problema com um fusível por aquilo que me dizem. O luar desvenda uns enormes lagos construídos a régua e esquadro mesmo ao nosso lado. Há muita água por ali. Quem diria!? A assistência prolonga-se por mais de uma hora ao fim da qual já está toda a gente desesperada.
Depois do problema resolvido continuamos viagem. Passamos num trilho de areia solta onde comecei a pensar se teria sido boa ideia fazer isto de noite. Todos com muito cuidado lá ultrapassamos o obstáculo. Como o grupo é grande algumas motas seguem mais na frente do que outras o que é normal. Volta e meia paramos para juntar o grupo para garantir que ninguém fica para traz. Há sempre alguém mais experiente que fica para o fim a varrer o grupo. Depois da areia o grupo partiu-se um bocado e tivemos de recorrer ao telemóvel para reagrupar toda a gente. Mas acabou por ser rápido. Seguimos viagem mais tarde por uma estrada de alcatrão bem larga. Andamos um pouco as voltas porque o pessoal da organização está perdido. Trazem uma fotocópia de uma carta topográfica mal amanhada e usam os telemóveis como GPS. Eu trago um GPS a sério mas nem isso ajuda porque simplesmente não sabem a localização exata do nosso destino! A ideia é ir perguntando pelo caminho, o que nem é má ideia pois sempre se mete conversa com as pessoas que geralmente são muito simpáticas e prestáveis. Acontece que são quase duas horas da manhã e a esta hora é difícil, se não mesmo impossível, encontrar gente acordada na província. Um dos locais onde paramos à beira da estrada é um estabelecimento qualquer com uma mesa de bambu e uma rede onde aproveitamos para nos espojar para esticar as pernas enquanto o pessoal tenta descobrir a direção à seguir. Entretanto o dono aparece meio ensonado e em tronco nu com um sarong, espantado com a comoção aquela hora da noite. Incrivelmente simpático acaba por dar algumas instruções após o que seguimos viagem.
Uns quilômetros mais à frente mais uma paragem para assistência. Desta vez é um cabo de embraiagem que se parte. Canja para o Sopek que mais uma vez “saca da saca” com as ferramentas e desta vez resolve o problema num ápice. Volvemos à estrada e mais à frente paramos para dormir. São 03:00 am e a rapaziada está toda rota. Montamos o arraial junto a um imenso arrozal e descansamos que o corpo bem merece.

O estradão atravessa uma zona praticamente virgem desta província a norte de Phnom Penh. Depois de alguns quilómetros chegamos a uma pequena vila onde paramos para obter mais informações. Seguimos por caminhos de terra cada vez mais estreitos até que as coisas se começaram a complicar no meio da floresta. Até aqui tinha sido uma papa. Agora temos um trilho com pedras, pedregulhos, buracos e árvores que não tem mais do que dois metros de largura e ainda para mais sempre a subir. O resto é floresta. Grau de dificuldade intenso portanto. Vamos todos com jeitinho a tentar escolher o melhor local para passar e atentos para não levarmos com um ramo na cabeça. Não fora o capacete e eu talvez a esta hora ainda ali estivesse a jazer com um bambu escarrapachado na fronte. O trilho parece que nunca mais acaba. Finalmente depois de alguns quilómetros intensos lá chegamos ao tão desejado destino, umas quedas de água perdidas na floresta.
Longe dos olhares dos turistas e também dos locais, poucos Khmers sabem da existência deste local. O Pr. Lim já tinha cá vindo em tempos idos mas nem ele já sabia muito bem como cá chegar. Mas essa é parte da beleza deste local. Somos os únicos ali e quando desligamos os motores das motas conseguimos finalmente ouvir o som da água a correr montanha abaixo. É tempo para relaxarmos. Descemos até a um dos níveis das quedas de água e depois foi o que se pode imaginar. Alguns rapazes até trouxeram sabonete para se lavarem como deve ser. A água fresca sabe mesmo bem depois de uma manhã calorenta em cima da mota. Andamos por ali a chafurdar durante algum tempo e depois almoçamos também por ali. O restaurante foi uma das rochas por cima de uma das lagoas, com 3 estrelas Michelin. O menu, esse foi o farnel que trouxemos de casa. Um cenário perfeito para uma viagem épica que ainda estava longe de terminar.
Depois do almoço e do banho é hora de voltar à estrada. O que já não nos queremos lembrar é que daqui até chegar à estrada ainda temos uma longa odisseia pela frente, desta vez no sentindo descendente. Passadas mais algumas dificuldades ultrapassadas com mestria, modéstia à parte, chegamos à planície. Agora para o regresso traçamos uma rota por estradas e caminhos ainda não explorados para quebrar a monotonia. São por volta das 01:00 Pm quando partimos na direção de Phnom Penh mas ainda estamos muito longe. Pelo caminho ainda houve oportunidade de comer muito pó.


Esta história não podia terminar sem um furo. No grupo todo tivemos apenas um furo que nos obrigou à última paragem para assistência. Uma das motas teve um furo na roda da frente na passagem por uma pista de areia no meio de uns arrozais. Mais uma empreitada para o Sopek que tem sido o único que para além de se divertir teve de trabalhar também.
Apesar do esforço, acabamos por chegar a Phnom Penh já de noite, por volta das 08:30 pm. Já não víamos a hora de chegar a casa tal era o desgaste. Mas apesar do cansaço esta foi uma viagem para ficar na memória e para repetir um dia destes numa qualquer parte remota do planeta.