Regresso a Istambul

Istambul, 20 a 23 de outubro de 2017

Dia 1

São 05:00 da manhã. No bairro de Sultanahmet os minaretes da Mesquita Azul chamam os fiéis para a oração. Indiferente à nossa chegada, e de tantos outros visitantes na cidade, o Imame entoa afincadamente as estrofes do Corão. Não era nada que já não estivéssemos à espera. Acordo a sorrir para mim mesmo enquanto um pensamento repentino surge na minha mente: “Já tinha saudades desta terra!”. Viro-me para o outro lado e continuo a dormir.

Estive em Istambul pela primeira no ano de 2002. Foi também a última vez que estive neste país. Depois de terminar o meu curso superior, decidi fazer um estágio internacional. A Turquia foi o país escolhido e a cidade de Izmir, mais a sul, na costa do mar Egeu. Mas para chegar a Izmir passei por Istambul, onde na altura tinha um colega português também a estagiar, o Herberto. Foi ele que me levou a conhecer a cidade pela primeira vez. Com ele partilho ainda hoje um carinho especial por esta cidade, assim como pelo país e as suas gentes. Depois, nesse ano voltei mais algumas vezes a Istambul.

Nessa altura ainda não tinha o hábito de registar as minhas viagens, por isso esses momentos existem apenas na minha memória e daqueles com quem os partilhei na altura. Hoje venho com a Marisa, que também já cá tinha estado comigo nesses tempos idos, e com uns colegas da escola que são estreantes em terras de Constantinopla.

Cerca das 8:00 horas volto a acordar com o chamar do Imame e desta vez corro ligeiramente a cortina da janela para espreitar lá fora. As gaivotas sobrevoam a cúpula da mesquita Azul num enorme frenesim, enquanto na rua começa a labuta habitual dos vendedores.

Do pequeno terraço no topo do hotel Ararat tenho uma vista privilegiada, tanto para a mesquita Azul, que fica logo ali pegada, como para a basílica de Santa Sofia, ligeiramente mais afastada. Do lado oposto do terraço temos vista para o mar de Marmara, onde os navios de carga já começam a chegar do Bósforo. Enquanto vejo os primeiros e-mails do dia, o céu vai ficando cada vez mais claro e as cúpulas da mesquita e da basílica mais imponentes. É com esta vista fantástica que tomo o pequeno-almoço, onde não pode faltar o habitual çai (chá em Turco).

O primeiro local a visitar é precisamente a mesquita Azul. Afinal é já ali ao lado e temos de passar por ela para ir a qualquer outro lado. Lá dentro o movimento de visitantes é permanente, com exceção dos momentos de oração, quando a mesquita é fechada para visitas. Os tetos são imponentes com motivos islâmicos. O islão não permite a representação de motivos naturais ou outros seres criados, pois criar está apenas reservado a Allah. Os enormes candeeiros pendurados por várias correntes do teto iluminam toda a sala. As senhoras têm um espaço reservado nas partes laterais, onde uma estrutura de madeira parecida com um biombo as separa dos devotos do sexo masculino.

Em frente à mesquita Azul está a Basílica de Santa Sofia (também conhecida como Hagia Sophia) que não deixa ninguém indiferente. É praticamente impossível visitar uma e não a outra. A Construída para ser a catedral de Constantinopla, passou por várias fases na sua história e foi também uma mesquita. Hoje é um museu. As filas para entrar são grandes mas vale a pena a espera. Lá dentro, o Islão encontra-se com o Cristianismo. A ala oriental da basílica está coberta com andaimes para recuperação, mas se nos abstrairmos dessa parte, estamos perante um monumento ímpar. No pátio superior existe uma porta de mármore que divide o espaço reservado para o sultão. É também na parte superior que encontramos os famosos painéis bizantinos em talha de ouro.

Deixamos a grande basílica e partimos para o Palácio de Topkapi, ali bem próximo. Visitamos os jardins e os seus vários recantos, as relíquias históricas guardadas nos seus vários edifícios. Numa das extremidades do palácio, as vistas sobre os Bósforo são imperdíveis. Fomos também ao Harém, embora hoje já não sirva o mesmo propósito. É um local histórico que marca grande parte da história do palácio e da sua vida. Pena é que grande parte esteja fechada em recuperação. Mesmo assim a visita vale a pena, pelas imensas salas decoradas com azulejos e com as várias relíquias espalhadas pelos aposentos dos Sultões. Também visitamos um museu no interior que guarda vários tesouros do antigo império Otomano.

Deixamos o palácio já caia a noite e aproveitamos para dar um passeio pelo bairro de Sultanahmet ao anoitecer. É a zona mais turística da cidade onde se mantem muita da arquitectura tradicional da cidade e um ambiente fervilhante de gente, lembrando uma cidade de outros tempos que na altura também já era bastante cosmopolita. Fomos jantar e hoje experimentamos o İskender kebap, um dos pratos típicos turcos, onde o kebab acompanha com iogurte e molho de tomate.

Depois subimos pela Divan Yolu caddesi (Cadesi=Rua) parando nas várias lojas que ficam abertas pela noite dentro. Pelo caminho fomos provando chás e os famosos “Turkish delights” à medida que nos tentavam impingir para comprar. Numa das lojas lá conseguiram convencer os meus colegas, mas a nós não nos “vergam”. Não somos grandes apreciadores dos docinhos típicos.

Fomos andando até à zona do bazar que a esta hora já está fechado. Teremos de cá voltar outro dia. Aproveitamos para visitar a coluna de Constantino que se ergue junto a uma das entradas para o bazar e depois regressamos ao hotel.

 

Dia 2

Hoje começamos o dia com a visita à cisterna basílica, a maior cisterna construída em Istambul durante a época bizantina e que se encontra perto da Basílica de Santa Sofia. Segundo reza a história, foi construída em poucos meses, no ano de 532, com 336 colunas romanas procedentes de templos pagãos da Anatólia, a maioria de ordem coríntia. Começamos por tirar uma fotografia de grupo com trajes típicos para ficar para a posterioridade (e para mais tarde nos rirmos das nossas figuras). Depois percorremos os vários passadiços da cisterna pelo meio das muitas colunas de mármore num ambiente sombrio e húmido. É costume realizarem aqui concertos e percebe-se bem por quê! Para além da acústica há toda a mística carregada de história. Algumas das colunas escorrem água como se estivessem a chorar, fazendo as delícias dos turistas, mas o ponto alto da visita são as bases de duas colunas que contêm esculturas de estilo romano, com Medusas que se tornaram famosas. Diz a lenda que essas mulheres com cobras na cabeça estão aqui para espantar os monstros do subterrâneo. Hoje ainda não vi nenhum, mas é melhor ir embora não vão eles aparecer por ai!

Descemos agora pela Alemdar caddesi até à zona beira-rio. O Bósforo está reluzente como sempre e as margens a fervilhar de gente. Uns a passear, outros a vender bugigangas para as crianças e os vendedores de chá numa azáfama constante com os seus tabuleiros de um lado para o ouro, não vá alguém estar com sede.

No Eminönü İskelesi(İskelesi=cais) embarcamos a bordo de um dos vários barcos que fazem passeios pelo estreito acima. O passeio dura cerca de 45 minutos. Subimos pelo Bósforo, passando primeiro a ponte que tem o nome do estreito, que também é conhecida oficialmente como “Ponte dos mártires de 15 de julho” (15 Temmuz Şehitler Köprüsü em Turco). Nem a propósito! Por pouco não era a 22 de julho. Terminada de construir em 1973, foi a primeira ponte a ligar a Europa à Ásia entre o bairro de Ortaköy (no lado Europeu) e Beylerbeyi (no lado Asiático). Seguimos viagem por entre a azafama de embarcações que por aqui navegam diariamente. Vamos desfrutando da paisagem de ambas as margens e de vez em quando lá temos de dar passagem a um navio de carga. O tráfego no estreito é imenso e o capitão não se pode dar ao luxo de parar. No barco estão mais pessoas locais do que estrangeiras, pois este é um passeio que todos gostam de fazer. Continuamos até à ponte do Conquistador Sultão Maomé (Fatih Sultan Mehmet Köprüsü em Turco), a segunda ponte a cruzar o Bósforo, terminada em 1988. A viagem no Bósforo termina por aqui. Ainda há mais uma ponte a atravessar o estreito, que fica já muito perto do Mar Negro. É a ponte Yavuz Sultan Selim (Yavuz Sultan Selim Köprüsü em Turco) que foi terminada em 2016 e é uma das pontes mais altas do mundo. Esta fica no final do estreito e já fora da cidade de Istanbul. Regressamos agora estreito abaixo, mais junto à margem da Ásia e voltamos a entrar no Corno de Ouro (“Golden Horn” é o nome que se dá a este estuário que divide o lado Europeu da cidade de Istambul com o Mar de Mármara). O Corno de Ouro forma uma península que acaba por ser um porto natural.

Terminamos a viagem no lado norte da ponte Galata onde desembarcamos. À saída damos de caras com um vendedor de rua com uma banca a vender sandes de kofte (pequenas almondegas de carne grelhada). A Marisa não resiste! De facto são mesmo boas, eu que o diga. Agora com o estomago aconchegado atravessamos a ponte Galata pelo tabuleiro inferior onde existem vários restaurantes. Estão todos cheios à hora a que passamos a meio da tarde.

Já no lado de Karaköy, subimos pelo funicular o Tünel, Uma histórica linha ferroviária subterrânea com 573 metros de comprimento que nos leva até ao alto da colina de Beyoğlu, junto à Torre de Gálata. A viagem é rápida, e em menos de nada estamos na İstiklâl Caddesi (Avenida da independência), uma das ruas de comércio mais famosas da cidade. Daí seguimos em ritmo de passeio/compras até à praça de Taksim.

Numa das ruas paralelas à İstiklâl Caddesi encontramos vários restaurantes que estão à pinha de gente. São adeptos de dois dos clubes de futebol locais: o Galatasaray e o Fenerbahçe. Ao que parece hoje é dia de dérbi e esta parte da cidade está ao rubro! Parece que tenho uma pontaria certeira, pois numa outra vez que estive na cidade assisti nas ruas a outro grande jogo. Dessa vez foi o Galatasaray VS Beşiktaş, outro grande dérbi e mais uma vez o povo estava ao rubro. Nas bancas de rua compramos mais uns copos típicos de chá e também alguns pacotes de chá para levar para casa e depois saímos da confusão e voltamos à rua principal.

Num recanto meio despercebido do lado esquerdo de quem sobe a İstiklâl Caddesi vislumbramos uma igreja que despertou a nossa curiosidade. Não é frequente encontrarmos referências ao cristianismo por estas bandas e decidimos ir explorar. Para nosso espanto trata-se da Sent Antuan Kilisesi, ou traduzindo para a língua de Camões a igreja de Santo António! Não sei como é que o santo padroeiro de Lisboa veio aqui parar. A igreja foi construída em 1725 pela comunidade Italiana local de Istambul em homenagem ao Santo António de Pádua (Itália) que nasceu em 1195, em Lisboa e morreu a 13 de junho de 1231 naquela cidade do norte de Itália. Esta é a maior igreja católica romana da cidade e curiosamente uma referência indirecta ao nosso país! Enquanto visitamos a igreja, decorre uma cerimónia e por isso tentamos passar despercebidos. Tiramos umas fotografias no interior e também no exterior a uma escultura que está erigida no recinto da igreja.

Seguimos pela a İstiklâl Caddesi até à praça Taksim, um dos locais mais famosos da cidade. É aqui que se realizam as principais demonstrações públicas do país. Foi aqui que em 2013 se deram as maiores manifestações da história recente da Turquia, as quais começaram como um protesto ambiental pacífico contra a demolição do Parque Taksim Gezi. O protesto acabou por escalar para uma manifestação de desagrado para com o regime cada vez mais autoritário que governava o país. A verdade é que a violência não é uma novidade nesta praça (ver este artigo) e por isso não admira o contingente policial que aqui está em permanência. Mas hoje não se passa nada e até está a decorrer uma feira de artesanato com várias barraquinhas que vendem vários produtos feitos por artesões locais. Passeamos pela feira e lá se fazem mais umas compras de final do dia.

No regresso a Sultanahmet passamos novamente pela ponte Galata onde acabamos por jantar. Desta vez tivemos de provar as tradicionais sandes de peixe. O nome local é balik-ekmek e é uma comida de rua muito comum na culinária turca. Trata-se de uma sanduíche de filete de peixe frito ou grelhado, servido com vários vegetais, dentro de um pão turco e é típico comer-se na praça Eminönü.

 

Dia 3

No último dia antes de partirmos para o aeroporto Atarurk, ainda tivemos tempo de passar pelo grande basar. As várias entradas estão todas controladas com forte contingente policial e detetores de metais. Lá dentro a típica azáfama dos vendedores a tentarem chamar a atenção de quem passa. O basar está dividido em várias secções de acordo com o tipo de produtos. Temos a seção da joalharia, das peles, dos alfarrabistas, da contrafacção, onde encontramos “as melhores marcas aos melhores preços”, os souvenirs típicos entre outros produtos. A Marisa anda encantada! Claro que qualquer coisa que se queira comprar tem de ser bem regateada, à boa maneira Turca. Acabamos por comprar umas peças decorativas e mais umas traquitanas.

Para além do edifício central do basar, existe toda uma vida própria nas ruas circundantes com bastante comércio. É preciso ter alguma paciência para andar no meio da confusão, mas se soubermos apreciar este ambiente fervilhante, é uma experiência muito agradável e um fiel registo cultural deste país.

Agora é chegada a hora de regressar ao aeroporto para embarcarmos para sul, para a cidade costeira de Antália, onde nos esperam alguns dias de trabalho.

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