Agosto, 2017 |
Dia 2 – Auschwitz
Hoje vamos visitar o local que foi um dos motivos principais para nos trazer à Polónia, a pequena cidade de Oswiecim, a cerca de uma hora de distância de Cracóvia. Durante a invasão Nazi, os alemães decidiram mudar o nome da cidade para algo mais de acordo com o seu sotaque e assim nasceu Auschwitz. Um nome que viria a correr mundo pelas piores razões. Oxalá nunca tivesse nascido!
O memorial e museu de Auschwitz consiste em dois antigos campos de concentração: Auschwitz I e Auschwitz Birkenau II. Estes são os que é possível visitar ainda hoje, mas o horror que representam é imensuravelmente superior, se não,vejamos um pouco da história.
Inicialmente existia apenas um campo na cidade, o Auschwitz, que foi estabelecido em junho de 1940 para “alojar” presos políticos polacos. Em março de 1942 estabeleceu-se um campo subsidiário de Auschwitz, o Birkenau, na pequena vila de Brzezinka. Este fica muito perto do primeiro. Em outubro de 1942 estabeleceu-se um terceiro campo mais afastado, o Monowitz (o nome da vila onde estava localizado) que foi o principal centro industrial dos campos. No total foram estabelecidos quase 50 subcampos de Auschwitz entre 1942 a 1945.
O propósito inicial de Auschwitz não foi aquele pelo qual viria a ficar irremediavelmente popular. A solução final de Hitler só surgiu posteriormente e a localização do campo, bem como os recursos disponíveis ofereciam as condições necessárias para a execução do genocídio. O curioso de visitarmos este local é que parece que nos é assustadoramente familiar. Qualquer coisa como visitar Nova Iorque e sentirmos que já estivemos ali, pois estamos tão habituados a ver aqueles locais no cinema e na televisão. Salvaguardando as devidas comparações, claro, pois a semelhança da experiência fica-se mesmo por ai. No caso de Auschwitz levamos ainda toda a bagagem histórica que estudamos na escola e que conhecemos de documentários históricos.
Começamos a visita em Auschwitz I.
Como seria de esperar os visitantes são aos milhares. Temos de fazer a visita em grupo, acompanhados de um guia. É possível fazer a visita sozinhos e gratuitamente, mas tem de ser a uma hora específica logo cedo de manhã, enquanto ainda não há muito movimento, e sujeita a disponibilidade. Depois nas horas de pontal, só visitas guiadas. Se não fosse assim não haveria forma de “escoar” tantos visitantes. Ou seja, a visita sem guia é gratuita, mas limitada. Resta-nos a visita guiada. Só conseguimos entrar no grupo das 10:30 acompanhados por uma guia local que nos vai debitando informação em Inglês a um ritmo tal que temos dificuldade em acompanhar.
Na porta de entrada principal lê-se no pórtico de ferro a frase “Trabalho traz liberdade”. Auschwitz I é composto por 28 blocos de tijolo que chegavam a albergar cerca de 1000 prisioneiros. Não sei as medidas exatas dos edifícios, mas conseguimos perceber claramente que serviriam para acomodar em condições normais menos de metade dessa gente. As instalações sanitárias que vimos são prova disso.
Os blocos albergam hoje várias exposições temáticas muito sui generis. Uma delas mostra os pertences dos prisioneiros, como pratos, malas, sapatos, óculos, … Outra mostra cabelos. Sim, numa sala encontramos uma montanha de cabelos retirados aos prisioneiros, preservados desde esse tempo. É impressionante! Num outros espaço vê-se um amontoado de latas de Zyklon-B, o gás usado nas câmaras de gás para a exterminação em massa. Diz-se que a dada altura foram mortas cerca de 6000 pessoas por dia dessa forma.
Num outro bloco ficava a prisão da Gestapo e as celas de correção e tortura. Aqui a morte chegava de três formas distintas: i) fome; ii) 4 pessoas em pé no escuro, sem espaço para se mexerem; iii) sufocação em celas cheias de gente sem janelas. Quando os prisioneiros que tinham a infelicidade de ir parar a este bloco não morriam de uma destas formas, tinham sempre a possibilidade de serem executados a tiro no exterior, no chamado muro da morte.
Terminamos a visita a Auschwitz I na câmara de gás e no crematório nº1. Aqui materializou-se a solução final no seu apogeu. Ainda é possível ver as tubagens no teto por onde circulava o gás e as várias salas onde se amontoavam as pessoas. Hoje o espaço são só paredes e despido de acabamentos. Naquele tempo estava despido de esperança.
Terminamos a visita a Auschwitz I com o tempo contado. A guia explica-nos como vamos para Auschwitz II – Birkenau e marca uma hora para se encontrar lá connosco. Fico com a sensação de que muito ficou por ver e mesmo aquilo que vimos foi tudo à pressa porque não podíamos perder a guia. O balanço que faço não é muito positivo, pois gosto de ver as coisas ao meu ritmo.
Embora reconheça que se tivesse feito a visita sozinho (i.e. sem guia), não teria acesso a tanta informação, teria tido tempo para absorver a experiência de forma diferente. É como se tivesse comido umas sardinhas em lata, quando aquilo que sabia mesmo bem era umas sardinhas frescas grelhadas regadas com azeite.
O campo Auschwitz II – Birkenau fica a cerca de 3 Km de distância. Vamos num autocarro providenciado pelo museu que faz o trajeto ininterruptamente. A chegada a Birkenau é arrepiante, porque é aqui que fica a famosa porta de entrada por onde passavam os comboios que estamos acostumados a ver nos filmes. Encontramo-nos com a guia que nos leva pelo campo à medida que nos vai contando alguns factos históricos do local.
O campo Auschwitz II ocupa uma área de 120 hectares num local onde em tempos existiam casas de moradores polacos. Para fazerem a extensão do campo Auschwitz I, os alemães demoliram essas casas e aproveitaram os seus materiais para a construção deste segundo campo. Hoje porém já não resta quase nada das estruturas construídas pelos Nazis, porque quando estes deixaram o campo, na iminência de perder a guerra, destruíram quase tudo. Não queriam deixar quaisquer evidências do terror que ali levaram a cabo.
Foi neste campo que se realizou o extermínio em massa dos judeus que ali chegavam diariamente de comboio de todas as partes da Europa. A linha de caminho de ferro atravessa todo o campo ao centro. De um lado, temos uma secção com casernas de tijolo. Do outro, os são feitas de madeira, mas pouco ou nada resta dos edifícios originais. Alguns tiveram mesmo de ser reconstruídos para elucidar os visitantes.
Na extremidade oposta à famosa porta de entrada e no final da linha férrea, está um monumento aos judeus deportados com escritos em todas as línguas dos países de onde estes foram enviados. Procuramos com atenção mas não encontramos nada escrito em Português. Normalmente apreciamos quando vemos algo na nossa língua lá fora, mas neste caso ficamos contentes pela inexistência de referências ao nosso país.
Junto ao monumento fica a câmara de gás nº 3 e o crematório já em ruínas. Esta foi propositadamente destruída pelos alemães antes de deixarem o campo. Nota-se claramente que foi usado dinamite para eliminar as evidências da estrutura.
Seguimos para a seção das casernas. Estas têm beliches de três andares e albergavam centenas de prisioneiros. Passamos por uma caserna de crianças com pinturas infantis. Aqui ficavam 4 a 6 crianças em cada nível dos beliches (i.e. (4 a 6) X 3) o que dá uma ideia da sobre população do campo. De um lado da caserna ficam as latrinas e do outro os lavatórios que seriam sempre poucos para tanta gente. Visitamos outra caserna, desta vez só de mulheres. As placas informativas referem que as mulheres eram aqui colocadas à espera de serem executadas. Quando a caserna atingia o ponto de ruptura, estas ficavam na rua também.
O dia está soalheiro e a temperatura muito agradável, pois estamos em pleno mês de agosto. Os campos verdes contrastam com a imagem que temos dos campos de concentração. Imaginamos quão diferente seria a vida aqui no inverno. Aqui chegavam diariamente milhares de pessoas, judeus em grande parte, de toda a Europa. Aquelas que vinham de territórios mais distantes, como da Grécia, por exemplo, nunca tinham ouvido falar de Auschwitz. Sabe-se que algumas pessoas chegaram a pagar a sua própria viagem pois pensavam que vinham procurar uma vida melhor, longe das dificuldades das suas terras. Como foi possível descer tão baixo no respeito pelo ser humano? Não consigo encontrar resposta a esta pergunta em Auschwitz.
Após o regresso a Cracóvia vamos dar uma volta pelo bairro Judeu onde existem várias sinagogas e muitos restaurantes. Na praça central (Jewish Square) há muita animação. Os restaurantes israelitas tem esplanadas com música ao vivo, num ambiente muito simpático. Numa rua ali perto, encontramos um pequeno restaurante que faz os famosos pierogi, uma espécie de tortellini recheados. Tanto podem ser salgados como doces. Compramos das duas variedades e levamos para comer pelo caminho. Estão acabadinhos de fazer e são uma maravilha. Os salgados são de espinafres e queijo. Os doces, de framboesa e queijo, são de comer e chorar por mais.
Voltamos à praça central de Cracóvia para nos encontrarmos com o Rika e a Isa para irmos jantar. Eles ficaram a descansar depois do regresso de Auschwitz. Vamos jantar ao Gospoda Koko, uma cantina típica dos tempos soviéticos, que hoje é muito popular entre os estudantes universitários. O restaurante está cheio e não encontramos ninguém para nos orientar. Lá encontro um balcão, meio escondido, onde está uma rapariga que me explica como aquilo funciona. Primeiro vamos ao balcão pagar e escolher as opções. Depois sentamos onde arranjarmos lugar e a comida sai diretamente da cozinha para a mesa. Não há serviço de mesa, é só mesmo a entrega da comida. O preço é fixo. Uma loucura!!! 2,5€ que dão direito à sopa, prato principal e salada. Não há carta de pratos, mas antes uma lista do que há para hoje. Alguns já estão esgotados à hora que vimos. Se quisermos bebida, é logo no balcão. Trazem a comida toda ao mesmo tempo e a mesa é curta para tanta coisa.
É uma enormidade de comida. Só a sopa dava para uma refeição. Entretanto chega outro casal a uma mesa perto de nós que também tem alguma dificuldade a perceber o sistema, pois ninguém vem à mesa receber o pedido. A comida é bastante simples e servida de forma também muito simples. A sopa está um pouco para o salgado ou também pode ser do avançar da hora (já deve ter sido feita ao almoço). O prato principal não está mau e rapidamente ficamos satisfeitos. Mas parece mal deixar tanta comida na mesa e lá fazemos mais um esforço. Mesmo assim, não conseguimos acabar tudo e já saímos do Koko em “sofrimento”. Os soviéticos tratavam-se bem …, pelo menos alguns.
A ironia dos factos leva-me a refletir que enquanto nós terminamos o dia a comer desta maneira, outros houve, que num tempo não tão longínquo e aqui tão perto de nós, para quem uma mesa como esta não passaria de uma ilusão. Que anoitecer tão diferente …