Agosto, 2018
Dia 3 – Gorky Park, Banksy e Garage
Não podemos deixar a Rússia sem levar as tão famosas bonecas Matrioscas. Em Moscovo há um local ideal para comprar o tradicional brinquedo Russo … Sim, a matriosca começou por ser um brinquedo para crianças com direito a medalha de bronze na exposição universal de París no ano 1900. Voltando ao local … trata-se do mercado Izmailovo, ou mais especificamente, o complexo cultural e de entretenimento “Kremlin em Izmailovo”. É uma espécie de feira popular com vários dos edifícios emblemáticos da cidade replicados em madeira, diversões, restaurantes, ateliers e artesanato.
Para ser franco, tudo me parece um pouco abandonado contratando com outros espaços da cidade que já visitamos e que estão muito bem cuidados. Ao que parece a grande atração do complexo é mesmo o mercado de artesanato e velharias, onde se destacam as matrioscas. Hoje por acaso não é dia de mercado, mas ainda assim há muitos vendedores e muitas bonecas e alguns turistas. Depois de muito escolhermos, lá encontramos as matrioscas que vão emigrar para Portugal connosco. Se contarmos que cada boneca traz uma família de 6 ou 7 outras bonecas, vai ser um rombo no nosso orçamento para levar esta “gente” toda para o Algarve.
Deixamos Izmailovo agora com a família aumentada e vamos até ao parque mais famoso da cidade, o Gorky Park nas margens do rio que dá o nome à cidade. É o “Central Park” de Moscovo, ou como lhe chamam por aqui o parque de lazer e cultura. Descemos no metro na estação “parque da cultura” e atravessamos a ponte sobre o rio Moscovo. Na outra margem o verde do parque estende-se para ambos os lados, mas o que nos salta à vista é um cartaz gigante com as letras “BANKSY”.
Seguimos em direção à Galeria Tretyakov pela margem do rio onde encontramos uma exposição de pintura a céu aberto. No fundo são várias galerias onde estão vários artistas a venderem os seus quadros. Há para todos os gostos de vários estilos e técnicas num ambiente muito descontraído.
Na Galeria Tretyakov a coleção é de arte moderna do séc. XX e XXI. O edifício é enorme e ocupa uma parte significativa desta seção do parque. Vemos o que está em cartaz, mas não nos interessa e depois da paragem obrigatória na loja, seguimos viagem.
À saída voltamos a encontrar o cartaz que referi à pouco. Numa das alas da galeria está patente uma exposição temporária do famoso artista incógnito britânico que se dá pelo nome de Banksy. Os grafítis são a sua especialidade, numa arte urbana por vezes rebelde. Por isso mesmo estamos curiosos sobre o formato que esta exposição possa ter e acima de tudo é uma oportunidade de ver as suas várias obras todas no mesmo local.
A visita faz-se pausadamente para apreciarmos todas as obras, muitas delas bem conhecidas e até icónicas. Algumas apresentam-se em quadros, outras em pedaços de muros recuperados, onde o artística desenhou originalmente. Usamos uma App no telemóvel como áudio guia que nos explica detalhadamente toda a história das obras. É uma experiência fantástica que mais do que refletir sobre a técnica do artista, nos leva a compreender a motivação para as suas obras e o contexto em que foram elaboradas. Uma combinação perfeita de arte urbana com o ativismo social.
Depois da dose de agitação provocada pelo idealismo de Banksy seguimos para o outro lado do parte, onde fica o museu do Gorky Park e também um dos museus mais modernos da cidade, o Garage, museu de arte contemporânea fundado em 2008.
O edifício retângular moderno aloja várias exposições e projetos artísticos, workshops, ciclos de leitura e até concertos de música ao vivo. Para além disso disponibiliza um vasto leque de recursos para investigação e estúdios para artistas locais. À hora a que chegamos já é tarde para visitarmos todas as exposições, mas ainda conseguimos visitar a exposição “Dear Visitors …”, uma celebração aos visitantes do museu no átrio central e o Atom (1967/2018) uma instalação de arte Kinética do artista Russo Viacheslav Koleichuk. Ainda temos tempo para visitar a biblioteca e a loja do museu.
À noite o edifício retangular transparente ilumina todo o jardim ao seu redor. As pessoas passeiam tranquilamente pelo parque, tanto a pé, de bicicleta, patins ou skate, num ambiente muito descontraído. Na parte central do parque há uma grande concentração de gente junto a uma fonte iluminada, que também dá música.
No final do dia voltamos ao centro, à Rua Tverskaya, antigamente conhecida como Gorky Street. É uma das principais artérias da cidade, conhecida pelos edifícios de Art Nouveau. Descemos até á praça do Kremlin, onde apanhamos o metro para regressar ao hotel.
Conclusão
A Rússia que encontramos hoje é certamente muito diferente daquela que os Bolcheviques idealizaram. Gostaria muito de ter conhecido a então URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), pois faz parte do meu passado e todos aqueles da minha geração, mas já não fui a tempo. Ainda me lembro daquele senhor com a manchinha na cabeça, Mikhail Gorbachev, que foi o último líder Soviético e um dos responsáveis pelo desmantelamento de um outrora tão grande estado (leia-se grande relativamente à área geográfica). O melhor que consegui foi visitar algumas das cidades/países outrora sobre influência deste regime implacável.
Mas hoje ao olhar para a Rússia, e em particular para a cidade de Moscovo, há algo de estranho! A cidade é hoje um espelho do ultra-capitalismo moderno, mas ao mesmo tempo preserva toda a cultura do ideal socialista de então. A City (Moscow City) contrasta com as estátuas e os ícones soviéticos que permanecem por toda a parte. O patriotismo soviético é preservado em paralelo com a economia de mercado. Parece algo de estranho, mesmo antagónico diria eu … ou então uma golpada de mestre!
Ao fim de uma semana na Rússia, a leitura que faço é a seguinte.
Com a queda do regime Soviético o povo perdeu a sua identidade, a qual tivera sido construída ao longo de várias gerações. Para isso muito contribuíram líderes históricos, como Lenin, Stalin, Khrushchov, Brejnev, …
Nos anos que se seguiram à queda da URSS o país entrou num estado de quase moribundo à procura da sua nova identidade, enquanto enfrentava desafios económicos decorrentes da pressão dos mercados. O final dos anos 90 foram tempos difíceis na Rússia pós Soviética. Um país acostumado a grandes líderes sentiu-se fraco por momentos, até surgir alguém com uma estratégia sábia, o tal golpe de mestre que referi. E para aplicar este golpe, quem melhor do que um expert em matérias do antigo regime? Pois é …, eis que surge Vladimir Putin que com a sua sabedoria soube aproveitar o momento. Quanto a mim o que ele fez foi recuperar o idealismo soviético, como o patriotismo, a dedicação ao trabalho e a devoção aos líderes da nação (ele próprio), ao mesmo tempo que lançou o país num desenfreado mercado de capital. Claro que a este último só alguns privilegiados têm acesso, mas o importante é transmitir a noção de que todos beneficiam com isso. Não discuto aqui a metodologia mais ou menos ortodoxa seguida, apenas constato que para já a tática funciona, ou não fosse ele um mestre estratega que se mantém no comando dos destinos da nação desde 1999.
A Rússia de Lenin e Stalin, é hoje a Rússia de Putin e o que todos têm em comum, é que acabam sempre em (in).