A profecia do Justiceiro

Estava eu há uns dias atrás a fazer zapping pelos 6 canais da minha TV (sim, só tenho estes. Para quê ter mais?) quando na RTP Memória passava a série “Knight Rider“. Em Portugal decidiram chamar-lhe “O Justiceiro”!

Quem não se lembra deste super êxito televisivo que nos deixava colados ao televisor aos domingos nos anos 80. Para ser preciso, a série passava às 18:00 de domingo. Era então o horário nobre da TV Portuguesa, junto com os slots das telenovelas (todas brasileiras nessa altura).

Por momentos recuei no tempo e assisti àquele episódio, que no geral é igual a tantos outros. Os enredos e a narrativa parecem hoje escritos por gente muito amadora. Os efeitos especiais … esses dá para rir, mas na altura era o que havia. Mas os melhor eram as cenas de pancadaria. Deliciosas!

Mickael Knigh

Para não falar da prestação do ator principal, David Hasselhoff no papel de Mickael Knigh.

Não sei se se lembram, mas o tipo também tinha a mania que era cantor. De tal maneira que chegou a dar um concerto no muro de Berlim na noite de ano novo em 1989. A música “Looking for Freedom” esteve várias semanas no top. Na altura o homem tornou-se numa estrela a nível planetário, mas a verdadeira estrela da série era uma máquina, o KITT, que significava (para os mais distraídos) “Knight Industries Two Thousand”.

O KITT era a personagem principal da série! Era por ele que ficávamos presos ao ecrã e aguentávamos aquela chanchada de histórias. Quem é que queria saber do Mickael Knigh! Podia ser o David Hasselhoff, o Burt Reynolds, ou até a Bo Derek … Não importava. Era o carro que nos prendia ao ecrã. Até falava e tudo! Quem não gostava daquele ar sinistro do KITT com os leds vermelhos na frente do capô a passarem de um lado para o outro, como quem está a aprontar alguma!

kitt

Mas o que achei mais piada ao rever a série, foi constatar que ao nível tecnológico e científico o argumento foi muito bem conseguido, pois conseguiu apresentar-nos coisas que na altura eram perfeitos disparates, mas que hoje são tão reais como era então o cabelo farfalhudo do David Hasselhoff. Se não vejamos

O KITT abria as portas sozinho, conduzia-se sozinho e fazia outras tantas coisas sozinho. Não só tinha o modo de piloto automático, mas conseguia mesmo deslocar-se sem a intervenção do Mickael Knigh. Hoje vemos com naturalidade os “self-driving cars” (veículos autómos) por ai. Se quiserem sabem onde eles andam, vejam aqui no EUA ou cá pela nossa terrinha aqui. Segundo dizem aqui, veículos autónomos vão circular em Portugal já em 2019. Preparem-se, pois vamos ver muitos KITT’s por ai. Recentemente a CES 2019 (a exposição de tecnologia mais importante do mundo) dedicou grande parte do seu certame à tecnologia de veículos autónomos como se pode ver aqui. A CNBC disponibiliza uma reportagem sobre o evento aqui. Estamos de tal forma resignados a esta tecnologia que já se discute o que iremos fazer quando os carros conduzirem sozinhos!

kitt self-driving
Kitt console

Outro aspeto muito bem antecipado pela série foi a capacidade do carro falar e tomar decisões, muitas delas até mais acertadas do que o próprio Mickael Knight. A “voz ” do KITT foi um percursor da siri (Apple), Alexa (Amazon) ou do Google Assistant. Hoje a Inteligência Artificial também chegou aos automóveis. Outra coisa não seria de esperar, mas antecipar isto nos anos 80 era obra! Este aspeto está directamente relacionado com o anterior, uma vez que para o carro andar sozinho tem de ter alguma inteligência, como tão bem explica este artigo

Mas a cereja no topo do bolo de toda esta tecnologia super precoce nos idos anos 80 era o detalhe do relógio. Sim, o relógio que o Mickael Knight utilizava para comunicar com o carro. Deslumbrem-se aqueles que julgavam que o conceito dos smartwatches é uma refinada ideia da recente cultura de consumo massivo de tecnologia que impera em grande parte do mundo desenvolvido de hoje. Não é! Neste capítulo, eu pessoalmente ainda estou para perceber qual a verdadeira utilidade dos smartwatches, porque para além de ver as horas permitem fazer um conjunto de coisas que posso fazer com o smartphone, que por sinal costuma estar logo ali pelo meu bolso!

kitt watch

Ainda no outro dia estava eu no WC de um aeroporto quando vejo um tipo a falar para o pulso! Nesse caso até pode dar algum jeito, porque uma pessoa não vai pegar no smartphone sem ter lavado as mãos, e pode sempre receber uma chamada enquanto se está a aliviar! Nunca me lembro de ter visto nada assim na série “O Justiceiro”, mas como já referi, a narrativa era pobre. Víamos no entanto, recorrentemente, o ator a comunicar com o carro através desse “device” fantástico. O smartwatch do Mickael Knight era um relógio digital com emissor/transmissor de radio. Hoje os fabricantes de automóveis desenvolvem aplicações para dispositivos Wearables para melhorar a experiência de condução dos seus veículos, como referido aqui, e algumas dessas aplicações permitem inclusivamente controlar o veículo remotamente. Aqui ficam algumas dessas tecnologias.

kit turbo boost

A última façanha do KITT que vou referir era o incontornável “Turbo boost“. Estávamos sempre à espera do momento em que o KITT ia saltar por cima de outro veículo ou quando ia recorrer ao botão vermelho para se desenvencilhar da “morte” quase certa. Ele safava-se sempre ileso. Para além de tudo o que já foi mencionado era também um carro voador. Neste aspeto ainda estamos no campo da ficção, mas a tecnologia que se afigura é mais requintada. Há fabricantes que querem colocar carros a voar já em 2019 e este foi também um dos temas em discussão na CES 2019 com a intervenção de vários speakers de relevo da área.

Nesta série de culto podemos eventualmente encontrar outros detalhes ficcionais percursores de algumas das tecnologias atuais, ou quem sabe ainda por desenvolver. Há quem diga mesmo que a série serviu de inspiração para as grandes ideias da Apple! Vá se lá saber …

Para terminar, arrisco-me a dizer que a produtora Universal Television lançou uma profecia nos anos 80 como poucos ousaram fazer, profecia essa que viria a condicionar as nossas vidas para sempre. Fê-lo de uma forma rigorosa e precisa, especialmente num campo tão volátil e imprevisível como é a tecnologia.

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