Zanzibar – Epílogo

Fevereiro, Março 2022

Stone TownMercado dos Escravos / Catedral Anglicana

No final da viagem, voltamos a Stone Town. Dormimos mais uma noite na capital para podermos ir para o aeroporto nas calmas e aproveitamos para visitar alguns pontos em falta.

Um desses locais que merece uma visita é o antigo mercado de escravos, onde hoje está erigida a Igreja de Cristo (catedral anglicana). O complexo é composto por três áreas: a igreja, um memorial e uma exposição informativa e camaras subterrâneas.

Memorial no mercado de escravos
Memorial no mercado de escravos

O altar da igreja foi construído exatamente no mesmo local onde os escravos eram acorrentados e leiloados, depois de severamente mal tratados. Hoje a igreja tem um serviço regula, mantendo viva essa memória de quem por aqui passa. O memorial ao lado da igreja é uma escultura com várias figuras de escravos acorrentados pelo pescoço. Eram acorrentados assim para permitir que caminhassem sem qualquer dificuldade. Muitos fizeram longas caminhadas pela África oriental até serem transportados para a ilha para serem negociados. De acordo com a história, Zanzibar foi um dos principais centros de comércio de escravos da Africa oriental.

Quando os escravos aqui chegavam, os que conseguiam sobreviver às longas caminhadas, eram amontoados numas câmaras subterrâneas até serem preparados para o leilão. Hoje só é possível visitar duas dessas câmaras. Um albergava cerca de 50 pessoas e o outro por volta de 75, numa área de não mais de 20 m2, onde não se consegue andar de pé. No passado eram quinze espaços onde os escravos eram despejados antes de serem vendidos. Muitos também não sobreviviam a tamanho desprezo.

A exposição informativa fica num edifício que depois da abolição da escravatura foi transformado num hospital.  Consta de vários painéis que contam detalhadamente a história da escravatura na ilha, acompanhados de fotografias e relatos escritos de alguns contemporâneos dessa época. A escravatura estava tão impregnada na sociedade de então, que até escravos que se conseguiam emancipar, muitas vezes depois compravam escravos para si próprios. Acabava por ser também uma espécie de estatuto na sociedade que todos almejavam, independentemente da cor da pele. É uma lição de história que todos devíamos aprender, pois mostra-nos o lado mais tenebroso do ser humano.

Ilha da prisão

Na manhã do último dia em Zanzibar vamos visitar a ilha da prisão. É uma pequena ilha não muito longe da capital, onde em tempos foi construída uma prisão. A viagem no pequeno barco de madeira que conseguimos negociar por 10$ / pessoa, leva cerca de 25 minutos. Para além de nós os dois, o barco leva mais um passageiro. É uma jovem egípcia que vive nos EUA e que anda a passear pela Tanzânia sozinha. Chama-se Nora e conta-nos que está em processo de mudança de trabalho nos EUA e por isso tirou um mês de férias para vir visitar o Quénia e a Tanzânia. Está há uma semana em Zanzibar e vai ficar ainda outra semana. Pede-nos algumas sugestões e dicas para o tempo que lhe resta, porque ainda não saiu da capital. Explicamos-lhe por onde andamos, os sítios onde ficamos e o que gostamos mais. Ela ficou entusiasmada em conhecer o resto da ilha, especialmente a parte rural junto à praia, onde conhecemos a ilha em todo o seu esplendor e autenticidade.

tartarugas gigantes
Tartarugas gigantes

Na ilha da prisão a principal atração são as tartarugas gigantes, espécie “importada” das ilhas vizinhas Seicheles. A ilha é hoje um santuário de proteção destes gigantes “molengões”. Chegamos mesmo à hora da refeição e por isso as tartarugas estão agitadas … quanto baste. Esta espécie é herbívora, por isso podemos dar-lhes couves, cenouras entre outros legumes e frutos. Os tratadores espalham uma grande quantidade de comida e nós podemos pegar na comida e ir ao encontro das tartarugas para dar-lhes à boca. Elas agradecem, porque assim tem menos trabalho a deslocarem-se. Não há percursos delimitados para os visitantes, por isso podemos andar por aqui à vontade literalmente no meio das tartarugas. Elas também não se importam. Seguem a vida como se os visitantes nem estivessem ali. Um macho mais desenvergonhado até tenta montar uma fêmea, que talvez com mais pudor, tenta fugir dele. Ele vai grunhindo em cima dela, mas não sei se vai ter sorte, pois ela não me parece estar com disposição.

Passeio com tartarugas gigantes
Passeio com tartarugas gigantes

As tartarugas gigantes circulam livremente por uma área delimitada da ilha. No entanto, as mais pequenas ficam dentro de uma casota metálica em rede para não se misturarem enquanto vão crescendo. São tantas que quase não se vê o chão. Umas mesmo muito pequenas, provavelmente acabadas de nascer, e outras já “maiorzinhas”, que daqui a uns anos já devem poder passar para o exterior.

Para além das tartarugas, há também pavões e até uma espécie de veados anão. Nunca tinha visto tal criatura e também não conheço esta espécie. São mais difíceis de ver porque não se misturam com os visitantes como as tartarugas, mas basta caminhar um pouco pela ilha que os encontramos no meio da vegetação.

A ilha tem também um hotel e restaurante, mas neste momento estão desativados. Num edifício ao estilo colonial, no centro da ilha, os hóspedes podiam passar a noite e desfrutar da natureza da ilha. Já o edifício da prisão, alberga um bar, uma boutique e uma biblioteca só para hóspedes. Tem pouco interesse, portanto. A visita à ilha vale mesmo pelas tartarugas gigantes, que em tamanho só ficam atrás das famosas tartarugas gigantes das ilhas galápagos. 

Ilha da prisão
Ilha da prisão

Voltamos a Stone Town para mais umas compras de última hora. Antes de regressarmos ao hotel sentamos junto ao mar a beber um sumo de fruta para refrescarmos. O meu é de abacate. A Marisa prefere manga.

No táxi para o aeroporto conhecemos um colega professor. Não. Não demos boleia a ninguém. O taxista é que também é professor de educação física. No caminho para o aeroporto mostra-nos a escola onde dá aulas. Diz que os alunos o que mais gostam na educação física é o atletismo. De futebol, gostam mais de ver do que jogar. Conta-nos que viveu toda a sua vida aqui em Zanzibar e que não tem vontade de ir para mais lado nenhum. Dá aulas da parte da manhã e depois à tarde faz uns biscates de táxi que ajudam a compor o orçamento familiar. Tem 45 anos de idade e tem três filhos. Quando lhe perguntamos se nunca pensou em visitar o estrangeiro, diz-nos que com a idade que tem (lembro 45 anos) já está no final da vida e que agora quer é deixar o melhor para os filhos. Aqui a esperança de vida é muito inferior do que na Europa. Para além disso, explica-nos que aqui tem tudo o que precisa para ser feliz. Tem dois trabalhos e de vez em quando ainda tem tempo para ir à pesca com os amigos e fazer uns petiscos na praia. Não precisa de mais nada!

Posto isto, escrevemos o sumário e terminamos a nossa visita a Zanzibar com a lição do professor de Educação Física.

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